Análise lúcida do jornalista Aurélio Marcio

Fonte
www.slbenfica.pt
Aurélio Márcio no Observatório Benfiquista Analisando o futebol do Benfica O Benfica ao perder com o FC Porto não relançou o campeonato mas, indiscutivelmente, relançou a luta pelo segundo lugar que se prevê terrível e logo contra o Sporting, o rival histórico de todos os tempos. Entregue o título, cabe agora aos dois gigantes de Lisboa a discussão pelo acesso à Liga dos Campeões e tudo o mais que esta prova significa, em termos desportivos e, muito principalmente, em termos financeiros. Com a série de desaires que o Vitória de Guimarães vem acumulando, tudo leva a crer que o segundo e o terceiro lugares serão pertença de Benfica e Sporting. No caso do Benfica, parece estar assegurado o regresso à Europa, depois de dois anos de ausência das competições da UEFA, facto inédito na vida do clube e que muito entristeceu a sua massa associativa, habituada a tempos de grande fidalguia em que o Benfica recebia todos os anos, no seu estádio, os maiores clubes europeus, vencendo-os na maioria das vezes. No momento em que Luís Filipe Vieira decidiu substituir Jesualdo Ferreira pelo ex-seleccionador espanhol, nem sequer a presença na Taça UEFA estava certa de ser atingida, depois de dois empates em casa, com a Académica e com o Vitória de Setúbal, e de duas derrotas fora de casa, com o Nacional da Madeira e com o Varzim. O Benfica tem, pois, evoluido sob o comando firme de José António Camacho que parece apostado em ensinar aos dirigentes, aos jogadores e aos adeptos do Benfica, as noções básicas e essenciais à construção de uma equipa vencedora. O Benfica cresceu futebolisticamente com Camacho e, depois dos 6-2 em Setúbal, muitos benfiquistas acharam que tinha chegado a hora de bater inapelavelmente o FC Porto, para mais na Luz. Esse entusiasmo reflectiu-se nas bancadas do velho estádio que se apresentaram repletas e coloridas. À desilusão do resultado, some-se a desilusão da exibição do Benfica e entenda-se a amargura com que os benfiquistas terão regressado a casa, o desconsolo que foi sobretudo para aqueles que, adeptos do "8 e do 80", passaram da euforia a amargura no espaço de 90 minutos. Porque razão é que, afinal, o Benfica perdeu com o FC Porto na última terça-feira de Carnaval? Atente-se, em primeiro lugar, que a exibição da equipa portista - altamente elogiada - redundou numa vitória tangencial, por 1-0, um golo marcado à beira do intervalo, nascido de um passe de Maniche, que estava solto de marcação, para Deco, que não tinha ninguém por perto, e que acabou por bater Moreira num remate cruzado. A história deste golo é um pouco a história deste jogo. A equipa do Benfica, se queria vencer, tinha de entrar em campo a mandar no jogo, a mandar na bola, a cair sobre o adversário fazendo pressão no campo todo. Ora, foi precisamente o contrário o que aconteceu. O Benfica entrou retraído, tímido e o FC Porto tomou conta do jogo e da bola desde o primeiro minuto. Nunca o Benfica se conseguiu libertar deste colete de forças e muitas dificuldades tiveram os jogadores "encarnados" para fazer circular a bola entre si. A imagem mais simbólica deste jogo talvez seja a dos lançamentos de linha lateral a favor do Benfica em que, sistematicamente, a bola ia parar aos pés dos jogadores do FC Porto. Elucidativo. Os adeptos do Benfica que à entrada achavam que tinham a melhor equipa do mundo, à saída pensavam exactamente o oposto. Descontando os exageros respectivos, justifica-se uma análise leve à equipa do Benfica e a alguns dos seus problemas maiores. A questão do lateral-esquerdo, por exemplo: Ricardo Rocha faz bem o lugar mas é um desperdício utilizar um dos melhores defesas-centrais do futebol português num lugar que não é o seu. Certamente que José António Camacho está atento ao que o mercado tem para oferecer nesta posição porque o Benfica, na próxima época, não pode insistir na adaptação de falsos laterais-esquerdos, tal como aconteceu, aliás, na época passada com Marco Caneira. No eixo da defesa, o Benfica tem Hélder e Argel. Talvez seja exigir muito, mas o Benfica precisa de "inventar" um novo Humberto Coelho, figura carismática do clube e da selecção nacional - nunca teríamos perdido aquela meia-final com a França, em 1984, se Humberto tivesse jogado. Jogando ao lado de Humberto Coelho, outros grandes e até medianos jogadores conseguiram fazer carreiras excepcionais, de tal modo era excepcional e contagiante o talento do "capitão" Humberto. Eurico, Bastos Lopes, Messias, Inguila, Adolfo, Malta da Silva, todos foram grandes defesas do Benfica porque tiveram o privilégio de jogar ao lado de um super-craque. Um dos pormenores mais preocupantes do último Benfica-FC Porto foi a dificuldade que os jogadores do Benfica sentiram para ganhar bolas de cabeça ao adversário. Só com a entrada em campo de Sokota é que o Benfica equilibrou essa luta nas alturas. Na verdade, os defesas e os médios do Benfica não são muito altos e este é um assunto que os responsáveis pelo futebol encarnado devem estudar. No ataque, o Benfica conta com um Nuno Gomes avesso aos golos, com um Simão que rende mais junto à linha, com um Geovanni que ainda não encaixou no colectivo, com a intermitência de um Carlitos e com o poder físico e técnico de Sokota. Deve o Benfica jogar com dois avançados? Julgo que não. Nenhuma grande equipa do mundo joga com dois avançados, a não ser em situações pontuais. Julgo que Camacho está a construir para o Benfica um modelo coerente de jogo. Precisa de tempo, de paciência e de jogadores.