PRESIDENTES DO CENTENÁRIO: Fernando Martins

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www.record.pt
Aos 87 anos, mantém a paixão pelo Benfica mas recusa a polémica. Não é crítico, não aponta o dedo aos actuais dirigentes. Mas fala com mágoa da demolição do velho Estádio da Luz, enquanto recorda outras histórias do seu reinado Record - Quando se tornou benfiquista? Fernando Martins - Tinha aí os meus 17/18 anos. Tornei-me benfiquista através do Nicolau, um grande atleta que era incapaz de usar subterfúgios. Era a força dele e mais nada. Infelizmente, todos se esquecem dele. Record - O seu pai também era do Benfica? FM - Não, os meus pais não tinham tempo para pensar em futebol. Mas agora a minha família é toda do Benfica - netos, bisnetos, não há um que não seja. E são todos sócios vitalícios... Record - E o senhor Fernando Martins tem as quotas em dia? FM - Paguei umas centenas de contos numa altura em que o Benfica precisava muito de dinheiro. Tenho as quotas pagas até ao fim da minha vida. Record - Já alguma vez se arrependeu? FM - Não, arrependido nunca. O Benfica, como instituição, não tem culpa de alguns erros que os seus directores, por este ou por aquele motivo, tenham cometido. Record - De quem é, então, a culpa? FM - De nenhum deles. Não acredito que um dirigente prejudique o clube de propósito. Se cometem erros é por desconhecimento, por não saberem. Record - Vê muitas diferenças entre o actual modelo de gestão e aquele que defendia, no seu tempo, para o clube? FM - Os tempos mudam. A própria política mudou e nós temos de a aceitar. O Benfica, como clube, é hoje muito diferente. Antigamente, pagava-se para se ser director do Benfica. Não se ganhava nada nem se cobrava um centavo. Hoje, certos dirigentes até a conta de um café mandam para o clube pagar. Record - Não cometeu erros durante a sua presidência? FM - É natural que tenha cometido alguns erros. Da mesma forma que, actualmente, os dirigentes os cometem, muitas vezes porque não podem fazer mais pelo clube. Record - Qual foi a maior asneira que fez? FM - Tudo o que fiz, voltaria a fazer. Sou o mesmo; a minha maneira de estar na vida é a mesma, sou o mesmo benfiquista. Voltaria a repetir tudo... Record - Até o fecho do 3º anel? FM - Sim, sim. Repare que fechei o 3º anel com uma equipa que levava os sócios a ver os jogos. Por vezes, alguns queriam assistir e não tinham lugar nas bancadas. A minha ideia era fechar o 3º anel para garantir maiores assistências e, consequentemente, um preço dos bilhetes mais acessível para todos. Não estou nada arrependido de ter feito a obra... Record - Nem de vender Chalana ao Bordéus? FM - O Chalana já andava lesionado num joelho há algum tempo... Depois, ele participou no Campeonato da Europa, em França, em 1984, e já nessa altura jogou todo injectado. Fez, de facto, uma grande prova e foi então que apareceu o Bordéus interessado em comprá-lo. Era uma proposta boa para ele e para o clube. E como ele andava todo injectado... Foi por isso que vendi o Chalana ao Bordéus. Record - Como descobriu Sven-Goran Eriksson? FM - Fui muito criticado... Descobri Eriksson através de um amigo dele, Borje Lantz. Mais tarde também falei com Manuel da Luz Afonso, que me aconselhou vivamente o nome de Eriksson. Record - É verdade que o sueco ganhava muito menos do que outros treinadores, do Sporting e do FC Porto, por exemplo? FM - É verdade. Se não estou em erro, Eriksson auferia um salário mensal de 360 contos. Record - Eriksson acabou por não ficar muito tempo no Benfica... FM - Pois não. E sabe porquê? Porque Filipovic, extraordinário como homem e como profissional, fez um grande jogo no Estádio Olímpico e surgiu o convite da Roma a Eriksson. Davam-lhe, nessa altura, cinco mil contos por mês. Ele quase chorava. Lembro-me de ele me dizer: "Deixe-me ir, senhor Martins, que é a minha grande oportunidade". E eu deixei, naturalmente. Record - Fazia todos os negócios sem intermediários? FM - Nunca provei disso. Nunca quis empresários. Nessa altura também era diferente. Todos os jogadores foram contratados por mim e sem qualquer agente a servir de intermediário. Estou a falar do Stromberg, do Maniche, do Filipovic, de tantos outros. Lembro-me bem de uma situação que teve John Mortimore como protagonista: uma altura, ele disse-me que havia um jugoslavo (Zivkovic) que interessava e que um amigo dele era o detentor da carta do referido jogador, que valia, segundo o empresário, 60 mil contos. Falei com o Filipovic, mais tarde com o presidente do clube, que desmentiu o facto de o empresário ser dono do passe, e acabámos por comprar o jogador por 20 mil contos. John Mortimore ficou surpreendido quando lhe anunciei a contratação. "Mas o meu amigo não me disse nada", foi a resposta dele nessa altura. A verdade é que nunca o pôs a jogar. Record - Pal Csernai foi a sua pior escolha para treinador? FM - Csernai era muito trabalhador. A Imprensa é que não gostou dele e queria que o mandasse embora. Mas ele era um disciplinador, muito experiente, tinha estado no Bayern, não era um treinador qualquer. Mas era um tipo de poucas palavras, um treinador frio... Record - Com que treinador gostou mais de trabalhar? FM - Com todos. Mas o mais completo era o Eriksson. Record - O que achou do novo Estádio da Luz? FM - Estive lá na inauguração. Foi a primeira vez desde que se falou na demolição do antigo estádio. Durante muito tempo nem sequer passei na 2ª Circular. É um estádio diferente, moderno. Se o outro fosse coberto, também ficaria um estádio lindíssimo. Record - Sentiu saudades do velho estádio no dia da inauguração? FM - Não foi apenas naquele momento. Sinto sempre saudades daquele estádio, de o ver cheio, com 120 mil pessoas. Record - Custa assim tanto? FM - Custa, porque vivi grandes alegrias naquele palco. Mais alegrias do que tristezas. Mesmo na final da Taça UEFA, com o Anderlecht, não me senti triste. Não jogámos para perder, a equipa lutou. E não ganhámos por culpa do Eriksson... Record - Como assim? FM - O Veloso andou aleijado durante muito tempo e era o Álvaro que estava a jogar. Mas o Eriksson resolveu meter o Veloso e foi precisamente pelo lado dele que se deu o golo do Anderlecht... Mas não fiquei triste e reconheci que houve algum azar. «Pinto da Costa é um amigo» Record - Como se sente perante todas as polémicas que têm envolvido, nos últimos tempos, a classe dirigente? FM - Como homem do desporto que fui, sinto-me muito mal. O futebol só tem a perder com este tipo de comportamentos e de atitudes. Record - E como analisa o comportamento das claques? FM - Olhe, vou dar-lhe um exemplo: no meu tempo começaram a pedir apoio para as deslocações e dei-lhes, inclusive, um espaço para se organizarem. Até ao dia em que não gostei de certas atitudes e cortei todo o tipo de apoio. Record - Continua a ter uma relação especial com Pinto da Costa? FM - É um amigo. Comigo sempre foi impecável. Record - Há quem o acuse de ter ajudado o FC Porto a impor-se no futebol português... FM - Enquanto estive no Benfica, ganhámos três campeonatos e conquistámos quatro Taças... Sempre me tratou bem e ainda agora me convidou para assistir ao FC Porto-Manchester United. O Benfica nunca me convida.