Veiga e o novo Benfica

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A BOLA
O que mudou na Luz com José Veiga AOS 41 anos, José Veiga deixou a carreira de empresário de jogadores para assumir a gestão desportiva de uma grande equipa de futebol. Pela mão de Luís Filipe Vieira, de quem está próximo desde Maio de 2001, Veiga é hoje uma espécie de tutor de todo o futebol profissional do Benfica. Nenhuma decisão é tomada sem ele; e muitas decisões só a ele competem. Foi para isso que Luís Filipe Vieira o chamou e nem Veiga aceitaria trabalhar de outra maneira. LUÍS FILIPE VIEIRA e José Veiga começaram uma ligação antes do Verão de 2001. Vieira acabara de ser convidado por Manuel Vilarinho para tomar conta do futebol do Benfica e José Veiga era não apenas empresário de alguns jogadores da Luz como também credor do clube. Era preciso encontrar soluções para resolver as dívidas a Veiga e o então presidente encarnado, Vilarinho, pediu a Vieira que falasse com o empresário. Ao mesmo tempo, o Benfica precisava de refazer a sua equipa de futebol e de renovar a sua dinâmica desportiva. Filipe Vieira encontrou então em José Veiga um parceiro privilegiado e à solução para saldar as dívidas do clube ao empresário juntava-se a sua utilidade na construção de um novo caminho para o futebol benfiquista. Juntos, Filipe Vieira e José Veiga trouxeram em três anos para a Luz jogadores como—dãose apenas exemplos — Simão, Nuno Gomes, Zahovic, Argel, Petit, Tiago, Ricardo Rocha ou Sokota, e os mais recentes Luisão, Fyssas ou Karadas. CONCORDE-SE ou não com as opções, as estratégias ou os métodos, a verdade é que o Benfica (futebol) dos últimos três anos se modificou: relançou-se desportivamente, ganhou por duas vezes direito a discutir o acesso à Liga dos Campeões, conquistou uma Taça de Portugal, e passou a ter incomparavelmente mais jogadores nas selecções nacionais. Há muitos anos que isso não acontecia. A relação de Filipe Vieira e José Veiga passou do plano meramente profissional para o plano da profunda confiança, amizade e convergência de pontos de vista. Quando Filipe Vieira conquistou a presidência do clube, já era para muitos um dado adquirido que mais tarde oumais cedo José Veiga seria convidado a receber o testemunho directo do comando do futebol profissional da Luz. Era a sequência lógica do trabalho em conjunto dos anos anteriores. AO aceitar pôr fim à carreira de empresário e lançar-se no ambicioso desafio de gerir no terreno a equipa profissional de um grande clube, José Veiga cumpriu provavelmente um sonho mas também assumiu os fortes riscos já amplamente conhecidos. Ele sabe, melhor do que ninguém, que do sucesso do seu trabalho depende o seu futuro no clube. E sabe ma i s : só ganhando conquistará, por fim, a confiança dos benfiquistas. É assim no futebol. Num clube que nos últimos dez anos derivou pelas ondas demuitos dirigentes, treinadores e jogadores, foi navegando ao sabor de uma frágil cultura profissional e ganhou hábitos e vícios muito amadores, nunca é fácil organizar, impor regras e disciplina e estimular a capacidade competitiva e a ambição. No futebol actual, raros são os vencedores por acaso. Para se ganhar é preciso muito mais do que uma boa equipa de futebol; é preciso uma filosofia de clube. Goste-se ou não das pessoas, concorde- e ou não com os seus estilos, certo é que com José Veiga alguma coisa já mudou no futebol profissional do Benfica. A começar por alguns hábitos. PORmotivos pessoais (nomeadamente, conflitos que o opõem ao fisco português) José Veiga pediu para não ser ratificado como administrador da SAD encarnada mas manteve, como seria de esperar, a confiança dos altos responsáveis do clube. A gestão financeira e desportiva do futebol está a seu cargo, submetendo-se evidentemente José Veiga ao orçamento de 22 milhões de euros (cerca de 4,5 milhões dos antigos contos) imposto para a época de 2004/2005 (contra os quase 60 milhões de euros de orçamento, para se estabele- que o FC Porto partiu para a temporada). DESDE logo, José Veiga foi obrigado a reforçar a equipa dentro dos rigorosos limites orçamentais. Dos nove reforços para a nova época, quatro foram contratados a custo zero e os restantes a custo manifestamente moderado. Por outro lado, tornou-se indiscutível a solução técnica de substituição de José Antonio Camacho: a contratação de Giovanni Trapattoni mereceu amplos elogios, justificados pela dimensão da figura do técnico italiano e, sobretudo, pelo seu magnífico e quase incomparável currículo. Montada a estrutura, o passo seguinte era o de impôr algumas novas regras e alterar procedimentos. Seguem-se alguns exemplos. PRÉMIOS. José Veiga discutiu apenas prémios por objectivos. Não há prémios por jogo e só o primeiro lugar no campeonato é premiado. Mesmo dando esta época o 2.º lugar acesso directo à Liga dos Campeões, a gestão de José Veiga retira a essa classificação qualquer prémio. Entende-se que o segundo posto no Benfica deve ser considerado um mau lugar, uma derrota. Além do mais, esse é um modo de impor aos jogadores a perspectiva de um novo espírito de conquista. JOGADORES. Passaram a ser obrigados a treinar-se de caneleiras. A velha questão de se treinarem nas mais próximas condições possíveis do próprio jogo. Menos de 5 milhões em reforços O rigor orçamental impôs a José Veiga naturais limitações na política de contratações do Benfica para a nova época. Os encarnados não gastaram cinco milhões de euros com a equipa de futebol e facturaram 12,5 milhões com a venda de Tiago ao Chelsea. Eis o custo dos reforços: A ausência de caneleiras dá direito a pesada multa (250 euros). A partir da saída do hotel de estágio, é proíbido aos jogadores o uso de telemóvel. A disciplina e o rigor profissionais são considerados absolutamente indispensáveis à formação do espírito de grupo e ao objectivo de vencer. Por isso, jogadores lesionados acompanham a equipa, em particular nas viagens ao estrangeiro. Por isso, os jogadores e equipa técnica são acompanhados diariamente por José Veiga (por norma, o primeiro a chegar à Luz e o último a sair). Qualquer problema é resolvido em dois minutos e procura-se até acompanhar e cuidar de questões pessoais de atletas ou técnicos, mantendo conversas (igualmente diárias) com todos eles. DIRIGENTES. À excepção do presidente, nenhum outro dirigente tem acesso ao balneário ou mesmo aos corredores próximos. Deixaram ainda os dirigentes (ou restantes funcionários administrativos ou outros) de ter acesso, no estádio, à zona de pequeno-almoço dos jogadores, perderam a possibilidade de se instalar no mesmo hotel da equipa ou de se deslocar no autocarro dos jogadores. PREPARAÇÃO. José Veiga fixou o trabalho da equipa no Estádio Nacional. Na ausência de um centro de estágio, a equipa não teve nos últimos anos local certo para trabalhar. Ficaram conhecidas as constantes mudanças de campo para treinar no tempo de Camacho. Agora, técnicos e jogadores sabem onde se preparam: ou na Luz ou no complexo do Jamor. Isso é fundamental para a consolidação da equipa e para tornar possíveis bons níveis de rendimento. O hotel de estágios em Lisboa é o mesmo que acolheu a selecção de Inglaterra no Euro-2004, em Linda-a-Velha. Recorre-se ao estágio até em momentos de desaire (como aconteceu em Estugarda). Após a derrota, é considerado importante manter a equipa concentrada para que a derrota não passe despercebida aos jogadores e todos sintam a necessidade de aumentar ainda mais o empenho. A comitiva do futebol benfiquista passou ainda a contar com um cozinheiro a tempo inteiro sempre que se desloca para fora da capital. DEPARTAMENTO clínico . Muito transformado. A equipa passou a ter, pela primeira vez, um médico a tempo inteiro. De manhã à noite. É ele António Barata e trabalha em regime de absoluta exclusividade. Mais dois em part-time: João Paulo Almeida, o director clínico, e Vítor Coelho, ortopedista no Hospit a l Amadora-Sintra. Rodolfo Moura e Vítor Saraiva foram contratados ao Sporting e são homens da confiança de José Veiga, habituados a uma disponibilidade para o trabalho de 24 horas. Manteve-se o enfermeiro Duarte Pinto. Ao todo, foram dispensadas qualquer coisa como 16 pessoas que directa ou indirectamente funcionavam na área do futebol. José Veiga reduziu a três o número de pessoas próximas de si: Lourenço Pereira Coelho, Shéu e Carlos Garcia. Baixaram-se os custos e procurou-se uma maior rentabilização dos recursos humanos. SALÁRIOS. Sem prémios, para José Veiga era essencial o compromisso de honra de pagar os salários rigorosamente no dia previsto. Medida considerada indispensável para poder manter-se a autoridade e um elevado nível de exigência. Esse pressuposto tem sido cumprido à risca e só assim os responsáveis ganham legitimidade para impor disciplina e aplicar, sempre que necessário, as respectivas multas. AMBIÇÃO. São estimuladas as vozes no balneário, a força dos gritos, a importância do diálogo como meio de fortalecer o espírito de equipa e a sua ambição. Esse espírito é permanentemente cuidado, com vigilância apertada sobre atitudes negativas ou de falta de carácter. REFORÇOS. Pelos limites orçamentais, o recurso ao investimento privado é uma solução. Só assim o Benfica pode aspirar a estar na corrida (como ainda está) à jovem estrela brasileira Robinho. Cumprido o enorme esforço de apenas ceder à venda de Tiago ao Chelsea, mantendo assim o forte núcleo da equipa (mesmo tendo recebido propostas para Miguel, Petit, Nuno Gomes, Luisão, Ricardo Rocha ou mesmo Fyssas, logo após o Euro), José Veiga (bem como Filipe Vieira)mantêm pública a promessa de voltar a não ceder qualquer jogador em Janeiro. Pelo contrário, procurarão reforçar. Com Robinho e, se possível, mais um jogador ainda de qualidade inquestionável. Sem vitórias, nada do que mudou na Luz ganha importância, e, aparentemente, as mudanças parecem até elementares. Mas sem elas, poucas vitórias serão possíveis. Talvez o Benfica estivesse ainda demasiado atrasado.