Leonor Pinhão - Contra a corrente

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abola online
Isto está a mudar O desejo absurdo por «um Pinto da Costa» está a ser lentamente substituído pelo desejo pragmático por «um Abramovich». O que não deixa de ser curioso e, francamente, mais adulto, mais realista, mais construtivo e, sobretudo, menos auto-flagelador 1 Durante um número lamentável de anos, nos momentos de maior depressão, foi comum ouvir-se benfiquistas de cabeça perdida, afundados em tristezas no círculo restrito das suas amizades, clamar por «um Pinto da Costa» que tomasse o leme do clube da Luz. Outros, igualmente stressados mas sem pingo de decência e de sentido das responsabilidades, atreveram-se até a clamar pelo mesmo em lugares públicos, empáginas de jornais e emprogramas de televisão. Foi positivamente horrível. Agora parece que a coisa está a mudar. Na privacidade dos lares, mas também à mesa do café, nos transportes públicos ou nos locais de trabalho, cada vez se ouve commaior frequência—sobretudo depois de azares como o do Restelo ou de espectáculos confrangedores como foi o último jogo para a Taça de Portugal—umclamor diferente. O desejo absurdo por «um Pinto da Costa» está a ser lentamente substituído pelo desejo pragmático por «um Abramovich ». O que não deixa de ser curioso e, francamente, mais adulto, mais realista, mais construtivo e, sobretudo, menos autoflagelador. Como se os últimos desenvolvimentos do caso do Apito Dourado tivessem tido o condão de enterrar bem enterrada a imperiosidade do «sistema», considerado por alguns como omais frutuoso método para ganhar campeonatos atrás de campeonatos nos últimos vinte e tal anos. Como se Pinto da Costa, principalmente desde a espampanante troca de elogios com Alberto João Jardim, fosse um dinossauro com lugar no Museu de História Natural, na ala das grandes antiguidades que marcaram o seu tempo perdido nas noites do tempo. Como se a imagem de Pinto da Costa entrando no Tribunal de Gondomar escoltado pelos Super Dragões tivesse atingido com a força de umraio as mentalidades benfiquistas que, nas horas más, reclamavam por «um Pinto da Costa». Como se o anúncio de que o próximo livro do actual presidente do FC Porto — um romance — será baseado em factos reais da sua longa e profícua relação de amizade com o actual presidente do Benfica, viesse definitivamente confundir as gentes, já de si confundidas, sobre quem é um e quem é o outro. Agora, a música é outra. Começa-se a ouvir: do que o Benfica precisa é de «um Abramovich ». Como se o fundamental para ganhar campeonatos e taças fosse, como na verdade é, um brutal investimento na equipa de futebol, aliado a umprofundo conhecimento dos mercados nacional e internacional. Como se o decisivo para o sucesso fosse, como na verdade é, a capacidade financeira para segurar os jovens talentos—pelo que Tiago ainda moraria na Luz e pelo que as eventuais propostas para Miguel eManuel Fernandes iriam directamente para o caixote de lixo—e para reforçar a equipa de modo efectivo e conveniente, sem lugar para tiros no escuro ou experiências falhadas. E pronto. Parece ter passado em definitivo a vontade por «um Pinto da Costa» no quarto dos segredos benfiquistas. Começou agora a era da vontade por «um Abramovitch» num clube que em tempos não muito recuados decidiu que o problema maior era o dos mecenas e da consequente ausência de uma visão empresarial- conjuntural-e-estrutural. De qualquer modo, por mais megalómano que seja, este parece ser um passo em frente mesmo que em Portugal não existam Abramovichs. 2 O «Expresso» revelava na sua última edição que Ricardo Rocha já se teria comprometido, a partir da próxima época, com o FC Porto. Como é do conhecimento público, o defesacentral do Benfica está em final de contrato e em Julho será um jogador livre para ir para onde muito bem entender. O diferendo que opõe o seu empresário, Jorge Mendes, ao seu exempresário José Veiga — para quem não saiba, actualmente responsável máximo pela SAD benfiquista — já provocou alguma fricção no início da temporada, tendo o jogador pedido publicamente para sair do clube. Ointeresse do FC Porto emRicardo Rocha é verosímil. A falta de interesse do Benfica em renovar o vínculo com Ricardo Rocha é, aparentemente, um facto. Assim, a notícia do «Expresso» quase poderia ter sido escrita sem necessidade de o jornalista recorrer a fontes. Trata-se de uma notícia que nasce, naturalmente, por dedução lógica. Tal como muitos outros adeptos do Benfica, aguardei pelo dia seguinte para ler na imprensa desportiva, ou seja, na imprensa especializada, o «follow up» da situação. Caramba, não era exigir muito. Um semanário de referência diz em lugar de destaque que um jogador do Benfica vai para o FC Porto, omínimo que se espera é o acompanhamento do caso. Esperei em vão. Um manto opaco cobre o futuro anunciado de Ricardo Rocha. A que se deve este silêncio? É para não estragar o negócio (mas como, se o negócio está feito?), é para não desestabilizar Jorge Costa, Pepe e Pedro Emanuel, é para não desestabilizar Argel, é para não desestabilizar José Veiga, é para não desestabilizar o «Expresso»? A verdade é que tudo leva a crer que Ricardo Rocha, tal como Sokota, se está a despedir do Benfica e sem grandes ondas. Com Miguel, cobiçado pela Juventus, com Tiago, que já partiu, Ricardo Rocha e Sokota foram jogadores fundamentais para o sucesso da última temporada de José António Camacho na Luz. Se o primeiro está lesionado, se o segundo vive em Londres, os outros dois ainda vivem na Luz mas, fazendo fé nas entrelinhas, com a cabeça emparagens mais ou menos distantes. Serve isto para compreender as agruras e os trabalhos de Giovanni Trapattoni. Ouvi, escandalizada, benfiquistas entusiasmados com a hipótese do treinador regressar a Itália para treinar a Lazio. Parece-me injusto esse desejo. Injusto e em vão. 3 2004, um ano estranho.No primeiro terço desta SuperLiga o FC Porto já perdeu mais pontos do que nos últimos cinco campeonatos. E, até ao momento, Benfica e Sporting mostraram-se incapazes de aproveitar a boda aos pobres. No jogo com o Marítimo, o FC Porto empatou com umgolo obtido emposição irregular (até aqui, nada de estranho) e sofreu um golo marcado por um jogador seu, Pena, emprestado ao Marítimo (estranhíssimo). Em Guimarães, o Sporting sofreu dois golos marcados por um jogador seu, Silva, emprestado ao Vitória. Fez bem a Liga em impedir que os jogadores emprestados não possam defrontar os seus clubes. Isto está a mudar. 4 Isto não está a mudar. Afinal, Robinho não vem para o Benfica. Foram dois meses de Robinho nas páginas dos jornais. Enfim, não deu para jogar mas deu para encher papel em doses industriais. Só por isto até merecia um ordenado.