Entrevista a Cardozo

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A Bola
«A BOLA» FOI AO PARAGUAI TENTAR PERCEBER PORQUE CARDOZO SÓ MARCOU DOIS GOLOS PELO BENFICA «Calma, se calhar até vou marcar mais de 20 golos» Enviado-especial de «A BOLA» Reportagem de Rogério azevedo ASSUNÇÃO — No centro do cérebro de Óscar Cardozo, bem no meio dos seus neurónios, há uma palavra-chave, a palavra que desbloqueia sentimentos: golo. Melhor ainda se, em vez de quatro letras, tiver cinco: golos. É isso que o paraguaio promete aos benfiquistas: golos, golos, golos. Diz que sofre muito quando não marca e que não se sente pressionado pelos nove milhões de euros que custou ao Benfica, nem pela meta de 20 golos na Liga que Luís Filipe Vieira estabeleceu para ele. A cara da La Muy Noble y Leal Ciudad de Nuestra Señora Santa Maria de la Asunción, nome oficial da capital paraguaia, não tem estado famosa. Alguma chuva, tempo bastante cinzento e temperaturas rondando os 15 graus. Este país, sem qualquer contacto com o mar, diz pouco aos portugueses. Aos benfiquistas diz, desde Julho, um pouco mais. A razão é simples: Óscar Cardozo, 24 anos, 1,90 metros, goleador afamado na América do Sul. A BOLA foi até ao centro deste continente em busca de respostas para o actual menor rendimento do atacante paraguaio. Objectivo número um: entrevistar Cardozo. Objectivo conseguido depois de percorridos os 35 quilómetros que separam Assunção do centro de estágio da selecção paraguaia, onde o benfiquista está integrado preparando o jogo de hoje com o Uruguai. Depois do treino vespertino, Cardozo recebe A BOLA com enorme sorriso. Bebe um pouco de erva-mate (mistura de água, gelo e erva aromática típica do Paraguai) e disponibiliza-se para as perguntas. Só evita uma. Aqui vão elas. — Chegou a Portugal há três meses, após presença na Copa América e sem férias há mais de um ano. Custou muito entrar directamente, sem descanso, na liga portuguesa? — Não ter férias afecta o rendimento de qualquer pessoa e dos futebolistas em particular. Claro que, se pudesse, gostaria de ter tido um pouquinho mais de descanso antes de jogar pelo Benfica, mas nem tudo é como desejamos. Assinei pelo Benfica, a liga começava quase a seguir à Copa América, por isso não há, agora, que lamentar: há que jogar e fazer golos. — Chegou, até, a ter uma pequena lesão ainda em Agosto. — Sim, mas não foi bem uma lesão, foi antes uma indisposição que durou alguns dias. Apenas um contratempo que, apesar de tudo, serviu para descansar um pouco. — Como se sente fisicamente? — Muito bem, a subir de rendimento e cada vez melhor. — O presidente do Benfica, quando você chegou, disse com entusiasmo que Cardozo valeria 20 golos/ano na Liga portuguesa. Sentiu alguma pressão por estas palavras de Luís Filipe Vieira? — Não. Continuei tranquilo. Ele falou em 20 golos e tem razão: valho 20 golos por ano ou, talvez, com sorte, um pouco mais. Sei que marquei apenas dois golos mas falta muito campeonato. Julgo que faltam 22 ou 23 jogos, por isso marcarei ainda muitos golos. Vamos ter calma! Gosto de marcar um golo por jogo, por isso faça as contas. — Daria cerca de 25 golos no final da Liga. — Sim, julgo que o presidente tem razão. Valho esse número. — Questão central dos últimos tempos do futebol do Benfica tem sido a compatibilidade entre Cardozo e Nuno Gomes. Podem jogar os dois juntos? — O Nuno é um grande jogador, mas essa questão terá de ser colocada ao professor Camacho. É uma questão demasiado técnica para eu me sentir à vontade para responder. — Os adeptos preferem Nuno Gomes com Cardozo. — [sorriso largo]. Não vou comentar. — O facto de ter custado nove milhões de euros ao Benfica e ser, por isso, uma das contratações mais caras de sempre do clube, cria-lhe pressão adicional? — Esse número não pesa na minha cabeça. Quem acertou essa verba foram os presidentes dos dois clubes, não eu. Sei que as pessoas falam muito disso, mas não penso nisso. Quando um jogador entra em campo para marcar golos, como é o meu caso, não pode pensar em dólares ou euros, tem de pensar em ter a pontaria acertada. Faço o meu trabalho todos os dias, seja nos treinos, em casa ou nos jogos... Não conheço um jogador que, quando está em campo, se lembre de que custou 9 milhões de euros ou 9 milhões de guaranis [moeda do Paraguai]. — Começou como titular indiscutível e passou a suplente utilizado durante alguns jogos. Que se passou? — Nada. Estava um pouco cansado, falei com o professor, disse-lhe o que sentia e que, se calhar, seria bom descansar um pouco. Julgo que fiquei de fora também por isso, mas é uma questão para colocar ao professor. — Sente-se satisfeito com o seu actual momento? — Não. Quero bem mais, ainda não atingi o meu nível habitual. Assinei pelo Benfica para trabalhar e marcar golos e, até este momento, só tenho cumprido a primeira parte. Os golos não têm surgido, mas vão surgir. Não tenho a mais pequena dúvida. — Que sente quando os golos não aparecem? — Sou assim desde menino: quando não marco golos, ficou nervoso, angustiado e triste. — Então, ultimamente, tem andado nervoso, angustiado e triste. — [sorrisos] Entendo o que quer dizer. Sim, de certo modo, sim. É evidente que estes sentimentos não duram a semana toda, mas quando acabo os jogos e não marquei qualquer golo, é isso que sinto: angustia, nervos e tristeza. — E se o Benfica vencer sem golos seus? — Fico mais alegre mas com uma pontinha de tristeza; se o Benfica vencer com golos meus, fico muito alegre; se o Benfica perder ou empatar, fico muito triste, tenha ou não marcado. Se trabalhar bem e, por exemplo, tiver feito um ou dois passes para golo, também me sinto muito bem. — Qual é o seu maior objectivo? — Fazer golos ou ajudar alguém a fazê-los. E, assim, fazer com que o Benfica seja campeão. — Qual o seu ponto alto no Benfica até agora? — Talvez o jogo com o Nacional. Fiz golos, o Benfica ganhou e senti-me útil. Quero marcar em todos os jogos, é para isso que me pagam. Trabalho muito, todos os dias, para corresponder ao que me pedem: fazer golos. — Que lhe pede Camacho? — O mesmo que os adeptos: golos. [A tal palavra de cinco letras que, em futebol, faz toda a diferença.] — Uma das maiores críticas que lhe são feitas é sobre o seu jogo de cabeça: tem quase dois metros de altura mas parece sentir dificuldades no jogo aéreo. — Sim, é verdade, tenho de melhorar bastante em alguns aspectos e esse é, claramente, um deles. Quero ser um jogador completo e, para o ser, tenho de melhorar em todos os aspectos, como o jogo de cabeça. Sinto que sou, cada vez mais, melhor jogador, mas existem sempre aspectos que temos de trabalhar. — Que lhe falta para melhorar o jogo aéreo? — Trabalhar ainda mais. Sei bem quais são os meus pontos altos e baixos, por isso sei que vou melhorar bastante. Os adeptos do Benfica podem ficar descansados: os golos, de cabeça ou não, vão aparecer. — Curiosamente, momento altíssimo seria marcar em Milão naquele remate, de cabeça, à barra da baliza de Dida. — Só tinha visto o estádio do Milan pela televisão e, quando lá entrei, fiquei impressionado. É um campo belíssimo. Por isso, quando a bola saiu da minha cabeça, só pensava: «Golo, golo, golo, fiz um golo pelo Benfica em Milão!» Mas depois a bola embateu na barra e fiquei triste, muito triste. Aquela imagem ficou cravada na minha cabeça, não a vou esquecer nunca: traz! bola na barra!