Apito Dourado: Resultados Viciados

Dez de Junho de 2003. Pinto da Costa e Pinto de Sousa falam ao telefone. O presidente do Conselho de Arbitragem da Federação diz ao presidente dos azuis-e-brancos que já escolheu o árbitro para a final da Taça de Portugal, que irá opor FC Porto e União de Leiria. Pedro Henriques é o árbitro escolhido para o jogo, mas a justificação para a nomeação torna-se difícil. Nessa altura, Pinto de Sousa já sabe que o árbitro será o quarto classificado na I Liga, o que poderá levar a que a nomeação seja duvidosa. Em terceiro ficara João Ferreira, um árbitro que se percebe ao longo das muitas escutas do ‘Apito Dourado’ que não é do agrado do FC Porto. E deveria ser ele o nomeado. “O Pedro Proença está em Toulon. O segundo é o Paulo Costa, o terceiro o João Ferreira”, diz Pinto de Sousa ao presidente portista. E acrescenta: “Tive de os ultrapassar, fazer de conta.” João Bartolomeu não gostou da nomeação. Quando percebe que a escolha recaiu sobre Pedro Henriques questiona o presidente da Federação e diz-lhe que a decisão deverá ter sido do presidente dos azuis-e-brancos. “Não falei com o Pinto da Costa. Dou-lhe a minha palavra de honra”, diz-lhe Pinto de Sousa, que cinco dias antes falara de facto com Pinto da Costa. O telefonema seguinte é sobre a forma de alterar a classificação e justificar a escolha. Pinto de Sousa diz a Pinto da Costa que a alteração no sistema será feita por um técnico de informática. “Já foi a reunião. Ficou em terceiro”, conta Pinto de Sousa ao árbitro auxiliar António Perdigão que lhe pergunta surpreso: “Trocou?” No meio de todos estes acertos, Pinto de Sousa e Pinto da Costa só lamentam não ter conseguido ajudar Bruno Paixão. Pretendiam que ficasse em quinto, mas aquele foi ultrapassado por Carlos Xistra. Mesmo assim, asseguram, continua garantido o lugar de árbitro internacional para o juiz de Setúbal. Outras escutas revelam ser habitual este procedimento, onde se chega ao ponto de escolher observadores mais ou menos exigentes para subir e descer notas a árbitros. QUEIXAS DE BARTOLOMEU Eram frequentes as queixas do presidente da União do Leiria, que acusava Pinto de Sousa de ceder aos pedidos de Pinto da Costa. PAULO COSTA NÃO PODIA Paulo Costa era o segundo classificado nessa época, mas nunca poderia apitar o jogo por ser da Associação de Futebol do Porto. MAIOR CERTDIDÃO AINDA ESTÁ EM INQUÉRITO A investigação relativa à viciação das classificações na arbitragem permanece em inquérito. Foi avocada pela equipa liderada por Maria José Morgado por ser um processo que corria no DIAP de Lisboa, sede da Federação Portuguesa de Futebol. Diversos árbitros da 1.ª categoria são visados nessa investigação e o procurador Carlos Teixeira, do Ministério Público de Gondomar, sustenta que foram viciados os resultados dos árbitros nas épocas 2002/2003 e 2003/2004. Além de Pinto da Costa, também João Loureiro, Valentim Loureiro e Isabel Damasceno (presidente da Câmara de Leiria) são arguidos no mesmo processo, onde se questiona a escolha dos observadores como um dos factores que permitia alterar os resultados. Outra conversa anexa ao ‘Apito Dourado’, entre António Henriques, vogal da Comissão de Arbitragem, e Pinto de Sousa, o presidente do órgão, revela isso mesmo. O dirigente máximo pede ao amigo para nomear dois observadores para um jogo que será arbitrado por Hernâni Duarte. “Para apanhar duas porraditas”, diz Pinto de Sousa, que explica ainda o procedimento usual: “Assim fica mais equilibrado.” "QUAL É A COR DO JUIZ?" No mesmo dia (24 de Outubro de 2003) em que os azuis-e-brancos reagiam em comunicado ao anúncio de que a Comissão Disciplinar da Liga abrira um processo disciplinar ao FC Porto para apurar se Maniche já tinha um contrato assinado com o clube antes de sair do Benfica, Valentim Loureiro ligava a Emanuel Medeiros, secretário-geral da Liga e actual responsável pelas ligas europeias. Pediu-lhe que obtivesse informação sobre o juiz a quem seria entregue o processo. “O conselheiro José Ramos da Silva, qual é a cor clubística?”, perguntou o presidente da Liga, deixando ainda uma indicação ao mesmo funcionário: “Tenho de saber es-se conjunto de juízes conselheiros, magistrados, onde trabalham, quem são, o que fazem. Vê se tira o currículo de todos.” Dois meses depois, em Janeiro de 2004, ainda o processo corria na Liga, Valentim e Pinto da Costa voltaram a discutir o mesmo assunto. O major ligou então a Gomes da Silva, o juiz que liderava a Comissão de Disciplina, e deu-lhe conta do desagrado do presidente dos azuis-e-brancos. “O Pinto da Costa está f... Aquela história do Maniche, sem mais nem menos, dá logo processo disciplinar?” Gomes da Silva tenta explicar que não havia outra forma de actuar. “Não, o Benfica é que intentou a acção disciplinar. Não havia nada a fazer”. E lembra que tudo não passava de um pró-forma. “Mas diga ao Pinto da Costa que isso é para arquivar.” As escutas do ‘Apito Dourado’ revelam ainda que Valentim não desistiu: “As pessoas ficam sempre fod... com essas coisas dos processos e ele está farto de dizer ‘este juiz persegue-me’”, ao que Gomes da Silva respondeu: “Ó major, é para arquivar, ele bem sabe.” O QUE ELES DISSERAM “Vai ser o Pedro Henriques. [...] Não foi o primeiro, o primeiro foi o Proença, que está Toulon. Passei à frente o segundo, não digas nada disto, pá. [...] O segundo foi o Paulo Costa, o terceiro era o João Ferreira, eu tive de os ultrapassar, fiz de conta que não sabia...” Pinto de Sousa informa Pinto da Costa da nomeação de Pedro Henriques “Já tenho dores de cabeça. O Bartolomeu não se cala, não se conforma. [...] Exactamente. Só que eu estou interessado que o Pedro Henriques fique em terceiro, não custa nada fazer a troca, até já mandei o gajo da Federação, um engenheiro, vem cá com o computador fazer isso.” João Bartolomeu interroga Pinto de Sousa sobre a nomeação. Pinto de Sousa fala a Pinto da Costa “Já saíram as classificações, o terceiro é o Pedro Henriques e o quarto é o João Ferreira. [...] Hoje vem no jornal que afinal o Pedro Henriques era o terceiro... Infelizmente, não trocaram o Xistra com o Bruno [Bruno Paixão ficou em 6.º] mas vamos pôr o Bruno a internacional.” Pinto da Costa toma conhecimento por Pinto de Sousa da mudança na classificação VALENTIM ASSUSTA LUÍS GUILHERME Luís Guilherme, presidente da Comissão Disciplinar da Liga de Clubes, ficou verdadeiramente assustado com a hipótese de Valentim Loureiro se demitir. A ameaça foi feita em jeito de “chantagem” e combinada entre o major e Emanuel Medeiros, secretário-geral do mesmo organismo. As conversas aconteceram nos últimos dias do mês de Outubro, em 2003, depois de o Boavista ter sido prejudicado num jogo da Liga. Valentim ficou irritado com as incidências do jogo e pediu a Emanuel que falasse com Guilherme e lhe dissesse que admitia demitir-se, provocando a queda do organismo: “Já transmiti a coisa ao gajo, ficou preocupado. Disse que vai atrás”, contou o secretário-geral minutos antes de o próprio Luís Guilherme ligar a Valentim: “O senhor presidente não passa aqui na Liga? Para conversarmos?”, perguntou Guilherme. “Não me apetece passar aí, estou cheio disto. A levar porrada de todo o lado, por causa arbitragem.” Luís Guilherme ainda disse que não era assim. Que na sua opinião “há certos erros que são sem querer”, mas Valentim manteve-se inflexível. “No momento em que o senhor sair eu saio consigo”, disse Guilherme. A pressão parece ter dado frutos um mês depois, quando Júlio Mouco explicou a Valentim as razões da nomeação de João Ferreira para um jogo do Boavista com o Estrela. “O Luís acha que este jogo não é assim tão difícil. Mete-o agora e fica liberto, não leva mais com ele...” NOTAS JULGAMENTO À ESPERA O julgamento em Gondomar continua à espera de ser marcado. O incidente de escusa requerido pelo juiz já foi distribuído no Tribunal da Relação, mas ainda não foi apreciado. INSTRUÇÃO NO TIC DO PORTO A instrução dos processos relativos aos jogos FC Porto-Estrela da Amadora; Beira-Mar-FC Porto e Boavista-Estrela da Amadora vão decorrer no Tribunal de Instrução Criminal do Porto. As datas ainda não estão marcadas. MARCADO PARA NOVEMBRO O julgamento que opõe Pinto da Costa ao Estado começa no próximo dia 27 de Novembro no Tribunal de Gondomar. O líder portista reclama uma indemnização de 50 mil euros por alegada prisão ilegal. Tânia Laranjo