Camacho em extensa entrevista ao CM

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CM
Luís Filipe Vieira apenas precisou de um convite para o técnico espanhol regressar à Luz. Agora, Camacho revela os objectivos, as mexidas no plantel e a sua relação próxima com o presidente. Correio Sport – O Benfica conseguiu o acesso à Liga dos Campeões em condições adversas. A sua primeira batalha está ganha... José Antonio Camacho – A partida de Copenhaga era mais importante que tudo o resto. Para o Benfica, era crucial estar na Champions. Agora vamos defrontar o campeão da Europa, o Milan, um jogo muito importante e que vai motivar os jogadores com a sua entrega, vontade e profissionalismo. – Afinal, tanta juventude é positivo ou negativo? – Tem um pouco de ambas as coisas. Entraram dois miúdos da formação, Romeu Ribeiro e Miguel Vítor, que são jogadores de futuro, e outros que o Benfica já tinha contratado antes da minha chegada. Há que ter paciência, eles próprios precisam de ter paciência e esperar pelo momento. Mas o mais importante é a equipa, que terá de adaptar-se a eles, sem olhar a idades. – Esta aposta na juventude motiva-o a dar especial atenção à formação? – Eu não me fixo na formação, quando entra um jogador em campo, não quero saber se tem 17, 18 ou 35 anos. Para mim, é apenas um jogador. Tem de fazer o seu papel e não há que buscar justificação na idade. Tento ir buscar os melhores. Não sei se vou confiar na formação ou não, por exemplo, no outro dia, na partida mais importante do Benfica do ano, havia seis jogadores com menos de 19 anos. Gostaria de saber se há alguma equipa na Europa que quer disputar o campeonato do seu país e tenha tantos jogadores tão novos. – Se conhecesse antes as qualidades de Miguel Vítor, teria contratado, na mesma, mais um central? – Tê-lo-ia feito porque só havia três centrais e estavam mal. Pode acontecer em qualquer altura do ano. Com um jogador que não é central e um júnior ao lado, correu tudo bem e estou contente, mas não é normal, não é nenhuma especialidade para que o Benfica seja mais forte. – Ao contrário de Fernando Santos, gosta de jogar com alas. Os dois uruguaios dão-lhe garantias? – Conheço e sei que vão dar outras alternativas. São internacionais, estiveram na Copa América e vão dar outras alternativas, são jogadores com muita projecção. – Já vão jogar na Madeira? – Sim, vão jogar. – Tem consciência de que as pessoas há muito esperavam pelo seu regresso ao Benfica? – Para mim foi surpresa, pois estava de férias em Ibiza e foi tudo muito rápido. – Como é que tudo se passou, o presidente foi a Ibiza e contratou-o? – Disse-me que tinha problemas, iria ter de mudar o treinador, e eu disse-lhe, então, que falasse comigo quando não tivesse treinador. Enquanto o Benfica tivesse treinador, eu não iria intrometer-me. – Foi muito fácil chegar a acordo com o presidente? – Foi fácil porque estava em Espanha a trabalhar para meios de comunicação social, tinha agora o compromisso de comentar a Champions League para a TV3, e no país seria difícil voltar a pegar numa equipa. Não gosto da forma como as coisas se estão a passar no meio dos treinadores, em Espanha. Aqui, Luís Filipe já me conhece, sabe qual é a minha maneira de trabalhar e, por isso, aceitei. – Com que sentimentos encarou o convite para regressar ao Benfica? – Sou uma pessoa que agradece muito os pequenos detalhes, mas quando tomo a responsabilidade, não deixo transparecer os meus sentimentos. Mas agradeço que se tenha lembrado de mim. Fui muito bem recebido, mas tenho consciência de que tudo se baseia nas vitórias. Se não ganhar, as pessoas vão protestar, porque o futebol é o mesmo em todo o lado. O único que tem sempre razão é o adepto, que só quer ver o seu clube a ganhar. – Quantas vezes foi convidado pelo presidente do Benfica? Foi esta a única? – Foi o único convite que me fez, toda a gente sabe que saí porque veio o Real Madrid e eu aceitei a sua proposta, não há nada a esconder. - Chegou num momento complicado, com muitas lesões, jogadores a sair e resultados comprometedores. Foi difícil preparar o plantel para o jogo com o FC Copenhaga? – O trabalho do treinador é importante nesse aspecto, eles não podem perder de vista que a mentalidade é outra, e têm de trabalhar durante os 90 minutos. Ainda só estou aqui há uma semana, os métodos têm de ir mudando pouco a pouco. Vejo muita gente a fazer análises sobre a equipa, mas não sei se são eles que estão confusos ou se sou eu, porque leio e oiço que a equipa continua com o mesmo sistema. Eram bons ou maus? Se estou aqui é por algum motivo e sabendo que tudo no futebol depende dos golos. O Vitória de Guimarães quase não se aproximou da baliza do Benfica, mas o jogo acabou empatado, sem golos, e numa partida tão importante como a de Copenhaga, conseguimos vencer. Na Liga há tempo, é diferente, podemos preparar a equipa. Lembro-me que o FC Porto chegou a estar com uma vantagem de onze pontos sobre o segundo classificado e acabou por não ficar em primeiro. – Do ponto de vista físico e psicológico, como encontrou a equipa? – Quando uma equipa chega ao primeiro jogo do campeonato, tem de ter uma preparação física aceitável. No aspecto táctico, estratégico e tudo o resto, cada um tem a sua maneira de trabalhar. De certeza que a minha forma de trabalhar não é igual à do anterior treinador. Não é melhor nem pior, o que está claro é que o aspecto psicológico funciona. Quando chega um novo treinador e vislumbra certos problemas, há que recuperar os jogadores e motivá-los para que possam praticar o seu melhor futebol. - Fernando Santos colocou-se à sua disposição para dar as informações que achar necessárias sobre a equipa. Chegaram a conversar? – Não falei, mas agradeço a disponibilidade. Está aqui o Chalana, que trabalhou com ele, continuamos com o Ricardo Santos, que tem a incumbência de espiar os adversários e filmar os jogos, enfim, tudo se passou de uma forma tão rápida, que nem deu para pensar nisso. Ele saiu e eu entrei, mal havia tempo para preparar o jogo. Não tenho absolutamente nada contra ele, está numa situação em que já estive. Se necessitar de mim para qualquer coisa, estarei à sua inteira disposição. – O que é que o levou a pedir ao Luís Filipe Vieira mais um avançado? – Quando vi a equipa, achei que estava descompensada. Contratámos três reforços, um deles central, porque os outros estavam lesionados. Recorremos a juniores e eles responderam bem, mas há algumas zonas do campo onde sobeja gente e outras onde faltam jogadores. Estamos a tentar compensar essas lacunas, só que nesta altura é complicado. As pessoas falam muito, mas quem deixa sair um goleador? – Bergessio pouco tem jogado e Cardozo, a contratação mais sonante do anterior treinador, não parece encaixar-se na sua concepção futebolística, pois tem-lhe pedido mais mobilidade... – Isso está por ver. Estou contente com a exibição de Cardozo na Dinamarca. Mexeu-se muito, criou oportunidades e a sua missão não era nada fácil. Temos variedade no ataque, mas precisamos de outra classe de jogadores, para os jogos que se apresentam de forma diferente e nos obrigam a quebrar a monotonia do sistema e mudar o ritmo. – Prometeu uma equipa mais forte, os benfiquistas podem ficar descansados? – Os adeptos não querem saber de problemas, querem é que a equipa ganhe. Mas, primeiro, há sempre que solucionar os problemas, depois é que se ganha. É a lei da vida. Quando nos limitamos a seguir o caminho certo, a equipa ganha. O mais importante, para mim, é que aqueles que estiverem por perto saibam que realizamos um trabalho certo e que dá frutos. Nunca, na minha vida, disse mais do que aquilo que se pode dizer no futebol. – Acaba de chegar, tem conhecimento do que valem o FC Porto e o Sporting? – São equipas fortes, mas o Benfica vai bater-se com elas. Ambos conseguiram entrada directa na Champions, enquanto nós tivemos que lutar, mas creio ser motivo de orgulho para Portugal ter três equipas na maior competição do futebol europeu. – Tanto um como outro tem o plantel estabilizado, os jogadores já se conhecem melhor. Isso não lhes confere vantagem sobre o Benfica? – É verdade que sim, mas tenho de tentar solucionar o problema de outra maneira. Estamos a tentar incutir-lhes outras ideias. Ontem houve uma estratégia, hoje foi diferente e amanhã sê-lo-á igualmente. Assim, sucessivamente. Mas isto, as pessoas não vêem. É algo que não se pode explicar às pessoas, mas é um grande problema que tenho de solucionar. O objectivo vai ser jogar futebol, não no campeonato ou na Liga dos Campeões. Ganhámos em Copenhaga, temos de pensar em fazer o mesmo com o Nacional, isso é que importa. – Vieira pediu-lhe o título? – Pediu-me trabalho e que a equipa entre em cada jogo para ganhar. Não é uma coisa que tenha de me pedir. Ele sabe que conquistar o título faz parte da minha filosofia. – Se tivesse chegado antes, desaconselharia a saída de Simão? – Muitas vezes, fala-se por falar. Eu cheguei agora, isso é que conta. Na minha filosofia, quando os jogadores se vão é porque há que reforçar a equipa. – Di María pode fazer esquecer Simão? – Sim, mas há que ter um pouco de paciência. Di María ainda só fez um jogo e tem que se ver a sua projecção. Quando por aqui passei, havia jogadores com determinada projecção e confirmaram o que se esperava deles. Agora há outros com alguma projecção, que têm de confirmá-la. – Deixou uma equipa que viria a sagrar-se campeã. Não se arrepende de ter deixado o seu projecto no Benfica a meio? – No futebol, nunca penso que se tivesse feito as coisas de determinada forma, teria sido melhor. Faço as coisas de acordo com o momento. Por isso é que as pessoas deviam conhecer o trabalho que estou a desenvolver. Quem quiser que o veja, quem não quiser que não o faça. "ADU TEM COISAS INTERESSANTES MAS PRECISA DE ADPTAR-SE – Adu foi recebido com muito entusiasmo, mas há quem diga que foi ‘queimado’ pelo timing em que foi lançado, no primeiro jogo... – Que jogo foi esse? – O primeiro com o FC Copenhaga, na Luz, após a marcação do golo do empate da equipa adversária. – Não olho para nada disso, é um miúdo que tem de adaptar-se ao futebol europeu. Há muito campeonato, Taça da Liga, Champions, todos têm de saber esperar, ter paciência e, sobretudo, trabalhar. É a única maneira que os jogadores têm de demonstra-me o valor. Trabalhando e não conversando. Enquanto trabalharem, sempre terão oportunidade. Se não trabalharem nada feito, não vão tê-la. – Mas nota-se a diferença entre os dois mundos, na sua forma de competir? – É um miúdo capaz de fazer coisas muito interessantes com a bola, mas, primeiro, vai ter de adaptar-se ao futebol europeu, que é muito diferente do americano. Estou cá há uma semana, as coisas não mudam de um dia para o outro. Estamos a implementar a nossa filosofia de jogo, todos vão ter oportunidades. "VAI HAVER DISPENSAS NO BENFICA" – O Benfica tem 30 jogadores, vai haver dispensas? – Sim, não gosto de trabalhar com tantos jogadores e a Champions tem normas, que temos de respeitar. – Com quantos jogadores gostaria de trabalhar? – As grandes equipas estão a trabalhar com 23, 24 jogadores. Gosto que os jogadores tenham motivação e se na lista entregue ficarem oito ou nove de fora, crias problemas no balneário. – O Gilles vai ou não ficar? – Vai ficar, neste momento estávamos a jogar só com Petit e Romeu para aquela posição. Vai ficar seguramente. Se não vier para fazer a diferença, não vale a pena. Tem de ser um jogador que nos dê outro tipo de alternativas. com mais velocidade e outra forma de chegar ao golo. Mas Cristian Rodriguez pode jogar aí, Di María também, o importante é ter variedade. Um jogo pode começar de uma maneira e depois teres de mudar tudo no decorrer do mesmo. – Vai voltar a mexer no departamento médico? – O Benfica mudou não cem por cento, mas mil por cento. Antes, mudávamos de local de treino todos os dias, não havia fisioterapeutas. agora há organização, o departamento está a trabalhar bem. O treinador não tem de meter-se nisso agora. – Com tantas lesões e jogadores novos, vai ter de fazer outra pré-época? – É isso mesmo. Hoje trabalhamos de uma forma diferente e vamos continuar até Dezembro. Agora vem as selecções, mas vão estar muitos jogadores ausentes. Vamos ver. "DISCUTO COM VIEIRA PARA O BEM DO BENFICA" – Tem partilhado momentos bons e maus com o presidente do Benfica, se calhar uma relação de irmãos. Isso pode ser uma faca de dois gumes? – De irmãos não direi, mas temos uma boa relação de amizade que nada tem a ver com o futebol. Ele sabe que poderei discutir com ele, mas será sempre para o bem do Benfica. Os treinadores não estão no clube para que lhes digam como devem treinar a equipa. Estamos aqui para coordenar e trabalhar. Os jogadores sabem quem manda. Quando não se ganha, os presidentes têm de saber por que não se ganhou. Outra coisa é perder porque há desorganização. Aí, o presidente só tem que substituir o treinador. O PRÍNCIPE DO POVO (A Opinião de João Querido Manha, Jornalista) Antes de José Antonio Camacho, nenhum treinador se podia gabar de ser desejado no Benfica apesar de não ter ganho o título na anterior passagem pelo clube. Sempre se entendeu bem o carinho por Otto Glória, Fernando Riera, Jimmy Hagan, Mário Wilson, John Mortimore, Sven Eriksson ou Toni, porque foram campeões e alguns deles tiveram oportunidade de regressar e voltar a ter sucesso. Por sua vez, o espanhol, deveria alinhar ao lado de Csernai, Ivic, Souness, Autuori ou Heynckes, uma linha de perdedores na galeria das grandes frustrações encarnadas. No entanto, numa daquelas originalidades em que os portugueses são pródigos, Camacho caiu em graça. É um verdadeiro príncipe do povo, apoiado sem reservas. Ganhou uma taça, derrotou Mourinho, fala curto e grosso, fartou-se de mandar vir contra as insuficiências do clube e a incapacidade de adquirir bons jogadores e bateu com a porta. Os benfiquistas valorizam isso tudo! Quando saiu, estava inebriado com a possibilidade de ser treinador do glorioso Real Madrid, a mesma vertigem que tinha acabado de dar cabo do juízo a Carlos Queiroz, com quem partilha essa boa sensação de ter uma espécie de casa-mãe, acolhedora e compreensiva, para onde voltar depois de conhecer o inferno de Chamartin. Durante os anos de Koeman e Santos, o espanhol foi corporizando a imagem de ‘o desejado’, talvez por causa da assumida proximidade pessoal com o presidente do clube lhe dourar a imagem de salvador, capaz de alcançar resultados com meios escassos. Resultados? Bem, o murciano, aos 52 anos, tendo sido jogador de títulos e credenciais, tem um currículo muito discreto como treinador: os clubes que dirigiu em Espanha eram modestos (Sevilha, Espanhol, Rayo Vallecano) e a ‘fúria espanhola’ é uma selecção que nunca passa dos quartos-de-final, por defeito. Por isso, só agora, ao fim de tantos anos de profissão, Camacho pode finalmente estrear--se na Liga dos Campeões, o campeonato dos treinadores a sério. Ao mesmo tempo que cimentava uma ligação pessoal a Filipe Vieira, o antigo seleccionador espanhol afastou-se do Benfica precisamente porque não vislumbrava solução para as suas frustrações desportivas: falta de meios para trabalhar, falta de dinheiro para contratar jogadores, impossibilidade de chegar ao topo. Três anos depois, mal reconhece o clube: um centro de estágio nos antípodas do Monte da Galega, jogadores com currículo bem mais sonante que os de Fernando Aguiar e Alex a chegarem todos os dias à Portela. É certo que regressa a uma situação de aperto, semelhante à que encontrou na demissão de Jesualdo Ferreira, mas as perspectivas são muito melhores. Nem os jovens que tanto gosta de lançar às feras parecem menos capacitados que João Pereira ou Manuel Fernandes, seus afilhados do primeiro consulado. Ao aterrar em Tires, o compulsivo ‘merengue’ confessava uma identidade benfiquista e simultaneamente lançava um desafio: vinha para ficar ao lado da sua gente. http://www.correiomanha.pt/noticia.asp?id=256115&idselect=217&idCanal=217&p=22