Cinco razões que explicam o mau futebol do Benfica

Fonte
abola.pt
Giovanni Trapattoni, 65 anos, o treinador mais laureado da Europa, chegou ao Benfica com a ingrata missão de substituir José Antonio Camacho, o técnico mais amado pelo Terceiro Anel desde que Sven-Goran Eriksson disse adeus à Luz. Nome dos mais importantes do desporto-rei do Velho Continente, campeão com a Juventus, o Inter de Milão e o Bayern de Munique, Trapattoni juntou experiências de vária ordem ao longo de uma vida inteira dedicada ao futebol. Começou por aprender o bê-á-bá na escola italiana, onde se licenciou e doutorou; depois, foi beber à Alemanha os ensinamentos de um modelo de jogo inegavelmente eficaz, mas pouco espectacular. Ou seja, do portfolio de Trapattoni constam a disciplina táctica transalpina e o ataque com poucas unidades germânico; a concentração competitiva italiana e a frieza alemã. Esta mistura, afinal, tanto na Alemanha, como em Itália, como, agora, em Portugal, resulta num denominador comum: insatisfação dos adeptos, a que se aliam resultados desportivos apenas sofríveis. É bom não esquecer que o Benfica de Trap, à 23.ª jornada, tem menos cinco pontos do que a equipa de Camacho em 2003/04, beneficiando, isso sim, dos menos 17 pontos dos dragões e dos menos dez do Sporting... Nem tanto pelo estilo pessoal, já que o actual treinador do Benfica é, normalmente, uma pessoa correcta e afável, mas essencialmente pelo tipo de futebol que a sua equipa pratica, Giovanni Trapattoni pode, e deve, ser comparado a dois outros técnicos que passaram, sem grande encanto, pela Luz: Pal Csernai e Jupp Heynckes. O que une estes três homens é a Alemanha-Csernai, húngaro de nascimento, aí fez a fase final da sua carreira de jogador e foi na RFA que se tornou treinador, levando o Bayern de Munique à conquista de duas Bundesligas; Jupp Heynckes foi um extraordinário jogador, campeão do Mundo em 1974 e treinador com êxito na Alemanha antes de emigrar para Espanha, onde trabalhou com sucesso no Ath. Bilbau, Tenerife e Real Madrid, sagrando-se aí campeão europeu. Na Luz, mesmo ganhando a Taça de Portugal em 1985, a equipa de Csernai nunca mereceu os favores dos adeptos que viram, com alívio, a partida do húngaro. Com Heynckes, em pleno consulado de Vale e Azevedo, os desencontros foram constantes e também nunca se viu um Benfica a praticar futebol de qualidade, quiçá pela imposição de um modelo mais físico do que técnico, incompatível com as características dos jogadores às ordens de D. Jupp. Finalmente, com Trapattoni a história repete-se. O Benfica raramente joga bem, os adeptos andam de candeias às avessas com o treinador e a equipa vive permanentemente sobre brasas, tornando-se difícil de suportar uma pressão que já foi aliviada da Taça UEFA mas onde ainda cabem a Taça de Portugal e a SuperLiga. 1 – O espaço entre sectores O Benfica joga como já não se usa, ou, se quisermos, pelo menos como nenhuma grande equipa do futebol europeu se dá a luxo de actuar. Peça fundamental do conceito moderno do futebol é a proximidade entre sectores. Esta tendência, com mais de 30 anos, tem sido aprofundada e conheceu, em Portugal, dois pontos altos, primeiro com o Benfica 1982/84 (dois Campeonatos, uma Taça de Portugal, uma presença na final da Taça UEFA e uma presença nos quartos-de-final da Taça dos Campeões Europeus), sob o comando de Eriksson. O treinador sueco repetia amiúde aos seus jogadores a máxima keep the team together (mantenham a equipa junta) e fazia dessa premissa o ponto de partida de todo o trabalho. O registo táctico usado era então o 4x4x2, apenas variando, de jogo para jogo, consoante as características do adversário, o ponto do terreno onde os dois avançados começavam o trabalho defensivo. Mantendo a equipa junta era possível realizar com eficácia o pressing e ainda, efectuar uma bem sucedida circulação da bola. Anos mais tarde, a glória do FC Porto de Mourinho (dois Campeonatos, uma Taça de Portugal, uma Taça UEFA e uma Liga dos Campeões) escreveu-se na adopção dos mesmos princípios. A famosa pressão alta, que tantas dores de cabeça deu aos adversários dos dragões e continua a dar água pela barba a quem se mete no caminho do Chelsea, fundou-se sempre na proximidade entre sectores, algo que é constante em todas as equipas de top do circuito europeu. 2 – Falta de movimentação no ataque Ao ver-se actuar o Benfica, fica-se, permanentemente, com a ideia que o ataque encarnado nunca consegue desequilibrar as defesas contrárias. No actual registo adoptado pelos benfiquistas, com um duplo pivot formado por Petit e Manuel Fernandes, nas costas de um trio de médios de ataque constituído por Geovanni, Nuno Assis e Simão, que apoia o ponta-de-lança, Nuno Gomes, verifica-se uma gritante ausência de movimentação dos médios-ala e do mezza punta ; para que haja eficácia, neste sistema, é necessário que os jogadores insistam numa permuta constante de lugares, mostrando-se incessantemente aos colegas para receberem a bola. O que acontece no Benfica não é nada disso. Os alas conformam-se às marcações cerradas dos laterais e o mezza punta perde-se entre os adversários, proporcionando pouco apoio ao ponta-de-lança. Talvez fosse benéfico à equipa da Luz visionar alguns vídeos de uma das boas equipas do FC Porto na última época, precisamente aquela que foi treinada por António Oliveira e que actuava neste mesmo registo. Aí, Edmilson, a partir da direita, Zahovic, no meio e Drulovic, na esquerda, davam a dinâmica perfeita à táctica gizada pelo actual presidente do Penafiel. Que diferença, em termos de desenvolvimento, do FC Porto de então para o Benfica de agora. Mas, se se pretender outro exemplo ainda mais recente de uma melhor interpretação do 4x2x3x1, bastará puxar o filme atrás alguns meses e recordar o que de bom faziam Geovanni, Zahovic e Simão sob as ordens de Camacho. Será Camacho melhor treinador que Trapattoni? A carreira e o valor do técnico italiano são inquestionáveis. Mas a verdade é que o futebol encarnado sob as ordens do espanhol era muito mais apelativo. 3 – O sacrifício do "duplo pivot" Consequência directa do incrível espaço existente entre os sectores na equipa do Benfica - não é raro verse a defesa distar do ataque 50 ou 60 metros - é o sacrifício imposto aos excelentes e dedicados Petit e Manuel Fernandes, obrigados a um esforço que não tem tradução na eficácia alcançada. Numa equipa "normal", que mantivesse, no máximo, 30 metros entre atacantes e defesas, o terreno que o duplo pivot, habitualmente formado por Petit e Manuel Fernandes, deveria gerir seria inferior, em metade, àquele que acaba por estar sob a sua jurisdição. Assim, aquilo que acontece aos médios benfiquistas é verem-se perante duas situações indesejáveis. A primeira tem a ver com o regime de inferioridade numérica em que são obrigados a viver, cada um à espera de se haver com mais do que um adversário. Esta situação torna-se, para Petit e Manuel Fernandes, tão mais dramática quanto for a compactação da equipa adversário, algo que acontece amiúde, uma vez que, regra geral, os opositores do Benfica surgem "armados" em 4x5x1. A segunda, é a que "dói" nas pernas destes dois jogadores, chamados a esforços de alto calibre, que se adicionam a uma presença constante em competição. Mas, por via do desamparo constante em que se encontram, estarão condenados a chegar ao fim da época (leia-se à fase final da temporada, em que estamos a entrar) muitíssimo debilitados 4 – Dificuldades dos centrais O Benfica está bem servido de defesas-centrais. Luisão e Ricardo Rocha complementam-se bastante bem, Alcides é um jovem de larguíssimo futuro e André Luiz, anda se se mostrar na Luz, é um futebolista de créditos firmados. Porém, a forma como o Benfica joga acaba por colocar graves problemas aos homens que preenchem o eixo defensivo. A dispersão territorial em que Petit e Manuel Fernandes se vêem mergulhados tem, também, por consequência, a autorização de passagem, com a bola controlada, de médios ou atacantes contrários, rumo à zona dos centrais. Este é o cenário que mais desagrada aos defesas, especialmente se, como é o caso de Luisão e Ricardo Rocha, são duros de rins. Com uma defesa formada, normalmente, por bons jogadores e tendo na guarda das redes os números dois e três do ranking de Scolari, não deveria haver razão para que a vulnerabilidade do extremo reduto encarnado fosse tão posta à prova. Mas, este quarto defeito apontado à equipa de Trapattoni, acaba por derivar do primeiro, ou seja, o excessivo espaço existente entre os vários sectores. 5 – O medo cénico O derradeiro problema benfiquista só se resolve com boas exibições. Trata-se da atitude permanentemente negativa que os adeptos que se deslocam ao Estádio da Luz assumem perante Trapattoni. Há muitos, muitos anos que não se assistia, na casa do Benfica, a um tão grande desfasamento face a um técnico, sendo necessário recuar pelo menos duas décadas (1984/85, Pal Csernai) para encontrar uma reacção semelhante. Na actual conjuntura, os jogadores do Benfica têm por certo e sabido que são assobiados sempre que jogam para o lado ou para trás e sempre que não aceleram para a baliza contrária. Quanto a Trap, qualquer substituição, boa ou má, de ataque ou de defesa, é pontuada com um coro de assobios. Ora, este ambiente de cortar à faca está já a funcionar como elemento inibidor do Benfica no seu anfiteatro. É uma versão encarnada do medo que por vezes assalta os actores e que acaba por tornar em pesadelo a vantagem que, teoricamente, deriva de jogar em casa.