Entrevista a Luís Filipe Vieira

Fonte
http://www.acapital.pt/
«Aquilo que se tem feito é um verdadeiro milagre» Tem 55 anos e é um homem feliz com a vida. O presidente do maior clube português, Luís Filipe Vieira, recebeu, na passada quarta-feira, A Capital para uma conversa que se impunha a escassas horas do escaldante Benfica-FC Porto. Passa toda a pressão para os actuais campeões europeus, avisa a esposa de Pinto da Costa e realça que esta é a primeira vez, em muitos anos, que o Benfica é candidato não só pelo nome. Pelo meio, revela toda a receptividade para se entender com o Sporting, mostra crença na recuperação total do seu protegido Pedro Mantorras, abre as portas a José Mourinho e defende o actual administrador da SAD para o futebol: «Se formos campeões, José Veiga passa a herói nacional.» BRUNO PIRES E LUIS OSÓRIO – Como está o seu coração? – O problema não foi o coração. O que se passou teve a ver com um problema pessoal que não gostaria de divulgar. Tive um pequeno problema de saúde que tenho controlado, independentemente de saber que corro alguns riscos. Foi por causa da emoção que vivi no jogo contra o Rosenborg, uma partida particularmente excitante. Mas estou assistido e bem medicamentado. – Está quase a completar um ano como presidente do Benfica. – Faz um ano no próximo dia 31, é verdade. Já passou um ano. – Que balanço faz? – Tínhamos um caderno eleitoral e estamos a cumpri-lo escrupulosamente. Na área da profissionalização da instituição e das empresas do Benfica todos sabem o percurso que escolhemos. Mas em breve os benfiquistas irão ter mais surpresas neste aspecto. Credibilizámos o clube e estamos a cumprir religiosamente todos os compromissos. – Mesmo os herdados? – Mesmo os herdados. Aliás, desse ponto de vista, continuamos a ser surpreendidos com facturas com que não contávamos. Recentemente surgiu-nos o caso do Gamarra e do Paulo Nunes. Estamos a falar de qualquer coisa acima dos dois milhões de euros pendentes. Não contávamos com isso. Mas o passado não nos preocupa. Esta instituição já foi suficientemente traumatizada no passado. – Mas há uma factura a pagar. – E estamos a pagá-la. Aquilo que se tem feito até agora, na realidade, é um verdadeiro milagre. O essencial para esta direcção tem sido a transparência que colocamos em todas as coisas. Não há segredos cá em casa. Há reuniões de direcção e administração. Todas as coisas sucedem naturalmente como em qualquer empresa. Sempre com dificuldades de tesouraria, como devem calcular. Tentamos torneá-las da melhor maneira que sabemos e isso passa, de certeza absoluta, pela credibilidade dos que aqui trabalham. É um projecto que não pode ser considerado de curto prazo mas sim de médio e longo prazo. E os timings previstos para isto estão a ser cumpridos. Nesta fase de investimento, em que é preciso assumir determinados compromissos que o Benfica tinha de um passado recente e que não quis assumir, temos recorrido, como é natural, ao crédito bancário. Isso não é segredo para ninguém. – Talvez a diferença seja que, agora, o Benfica pode recorrer ao crédito. – Hoje não há nada por baixo da mesa, quem quiser saber o nome dos nossos credores pode sabê-lo. – Presumimos que uma vida como presidente do Benfica seja uma profissão a tempo inteiro. Tem uma série de empresas mas também uma família. – Antes de me propor vir para o Benfica, aconselhei-me com amigos, sócios e com a minha família. A minha família sabia bem aquilo que eu queria. Mas nunca tive no horizonte a presidência do Benfica. – Então porque se candidatou? – Foi claramente numa perspectiva de missão. E, também, de dar continuidade a um trabalho que, em conjunto com o Manuel Vilarinho e outras pessoas, vínhamos a encetar. Coloquei isso como uma missão para mim próprio. Algo que tinha de terminar e consolidar, sempre na sequência do que já se vinha fazendo. – E as suas empresas? – Tenho tudo estruturado. As empresas estão auditadas, com os resultados que as pessoas conhecem. Tenho plena confiança nos meus quadros, e aí tenho que incluir o meu filho. Bem, isso não quer dizer que se eu lá estivesse as coisas não funcionassem melhor. – Tem dois filhos. – Exactamente. Um filho e uma filha que entrou neste ano para a faculdade. – Outra futura gestora. – Não, uma futura bióloga marinha. Tem piada. Para conciliar todas estas coisas preciso de estar constantemente a correr de um lado para o outro. Mas estou habituado a esse tipo de vida. – Em resumo, o pai e o filho ganham o dinheiro para a filha poder ser uma cientista. – Foi o que ela quis, aquilo que ela quer e aquilo que temos de lhe dar. Está a estudar em Faro. É a primeira vez em que eu e a minha mulher não temos filhos em casa. – Uma segunda lua-de-mel, portanto. – Nem isso. A minha mulher vai periodicamente a Faro. Há dias em que praticamente não vejo ninguém em casa. – Ainda antes de ser presidente disse que ia fazer do Benfica o maior clube do mundo, com 500 mil sócios, nem que tivesse que bater porta a porta. Quando é que esse objectivo irá ser atingido? – As coisas têm timings para se fazer. Nesta matéria as coisas não dependem essencialmente de nós. Penso que há dois, três anos, ninguém pensava que o Benfica tivesse inaugurado tantas casas. Quase nenhum português acreditava que conseguíssemos inaugurar este estádio que aqui têm. O projecto do meio milhão de sócios, que pretende transformar o Benfica no maior clube do mundo, passa também por este estádio e por um mercado que nunca explorou. O mercado dos adeptos. O Benfica tem hoje 140 mil sócios... – Pagantes? – Isso não reflecte muito, mas pagantes tem 70/80 mil. O que deve preocupar mais a família benfiquista é que 95% dos sócios do Benfica são de Lisboa. Isto é que é mais preocupante. Este projecto tem muito da minha cabeça. O começo toda a gente sabe, o meio do percurso todos o conhecem, agora o fim está por descobrir. Há novidades e mensagens que hoje ainda não podemos transmitir. O Benfica ser o maior clube mundial em termos associativos passa por esse mercado e pela capacidade de o Benfica o captar. De o trazer para dentro do nosso universo e passar a ter uma relação institucional com ele, ou seja, de comunicação. O Benfica, se quiser hoje comunicar, fá-lo através de vós. Mas se tivermos um universo de 500 mil sócios passa a ter uma massa crítica de comunicação muito forte. A partir do dia que tiver esse meio milhão de sócios efectivos, porventura há coisas que pode fazer. Pode fazer mil e uma coisas. – Um canal de televisão? – Quem sabe, vamos ver. Neste momento não vou esconder que passa muita coisa por isso. – No passado fim-de-semana anunciou a criação de um Conselho Consultivo, deixando no ar a possibilidade de não se recandidatar. Em que moldes vai funcionar esse órgão? – O Conselho Consultivo foi anunciado na campanha eleitoral e tem a ver com uma situação muito clara. Sei o que já passei no Benfica e os cabelos brancos que já ganhei com o Benfica. O importante é que não voltemos a cair no mesmo espaço vazio em que caímos. Não podemos dar oportunidade a mais nenhum oportunista ou aventureiro, e isto não passa por qualquer tipo de censura. Pode haver até vinte candidatos à presidência. – Mas o que será esse conselho? – Será um grupo entre 15 e 30 benfiquistas e onde estarão também representadas as casas do Benfica. Todas essas pessoas terão de estar suficientemente identificadas com o nosso projecto. Depois, o candidato a presidente do Benfica, um dos candidatos, sai desse órgão ou então sai alguém indicado pelo Conselho. De maneira que quem vier a seguir siga o mesmo percurso que estamos a percorrer e que venha a consolidar os passos que demos. É que ninguém vem inventar nada. Ninguém virá com uma varinha mágica, a não ser que apareça algum mecenas. Mas como os mecenas são perigosos não vale a pena. É importante clarificar. – Conhece Roman Abramovich? – Conheço, conheço. Mas isso... o importante é blindar a possibilidade de as coisas correrem mal. Agora, claro, irão surgir dez ou quinze candidatos. Da maneira como está o clube mais apetitoso o lugar se torna. – Põe a hipótese de não se recandidatar? – Não fui isso que eu disse. – É uma pergunta. – Ainda faltam dois anos. – E se fosse hoje? – Se fosse hoje... (continuação na edição impressa)