Karadas de esperança

Fonte
www.abola.pt
Azar Karadas é norueguês, mas o nome não deixa dúvidas sobre a origem turca do seu progenitor. Traduzido em português, significa qualquer coisa como «pedra preta» e o que os benfiquistas esperam, decerto, é que do seu excelente jogo de cabeça saiam muitas pedradas em direcção às redes adversárias. Em Braga jogou apenas 36 minutos, tempo suficiente para mostrar que o Benfica tem, finalmente, um jogador temível no jogo aéreo; um vazio por preencher desde que Rui Águas deixou a Luz há quase 11 anos, mas que, recuando no tempo, jogadores como Maniche, Artur Jorge, Torres ou José Águas provaram ser decisivo na hora de contabilizar os golos e os títulos. Pode parecer prematuro falar das qualidades de um jogador que só anteontem fez a sua estreia pelo novo clube, mas a verdade é que Karadas não é, propriamente, um ilustre desconhecido. As dores de cabeça que o avançado norueguês deu à defesa do Benfica, na época passada, aquando da eliminatória da Taça UEFA que colocou frente a frente a sua ex-equipa e a actual, ainda estão bem vivas nas mentes dos centrais Argel e Luisão, e de todos os que seguiram atentamente o jogo da segunda mão, em Rosenborg. A tal ponto que na viagem de regresso a Lisboa o seu nome f o i muito falado entre os membros da comitiva benfiquista. Alto, loiro, mas nada tosco Pelo que se viu em Braga, não é só pelo bom jogo de cabeça que os adeptos encarnados têm motivos para depositar esperanças no reforço que veio do frio. Além de usar bem a elevada estatura (1,89 m), Karadas faz também mossa nos adversários com os seus 86 kg e, ao contrário da maioria dos avançados com as suas características físicas, é rápido e sabe jogar bem com os pés. Recuou várias vezes no terreno para tabelar com os companheiros de equipa, mostrando não ter dificuldades em jogar de costas para a baliza. Nos 36 minutos que esteve em campo, o norueguês revelou também outros pormenores que o diferenciam dos outros avançados da equipa, nomeadamente na acção defensiva. Ao contrário de Nuno Gomes e Sokota, que pressionam os centrais ou o guarda-redes sempre que têm a posse de bola, Karadas preferiu sempre recuar no terreno e colocar-se junto dos médios, procurando fechar as linhas de passe. Mas aí, competirá ao técnico Giovanni Trapattoni corrigir ou incentivar um jogador que acaba de chegar de uma escola de futebol com a qual o Benfica se dá, tradicionalmente, bem, mas que difere emuito do estilo latino. Fim do 4x2x3x1? A presença de Karadas levanta outros problemas, sendo a primeira delas a alteração táctica que se poderá produzir na equipa. Até aqui, Giovanni Trapattoni privilegiou sempre o 4x2x3x1, com Zahovic como figura de proa, atrás do único ponta-de-lança, normalmente Sokota. Mesmo nas substituições, raramente permitiu que Sokota e Mantorras coexistissem na frente, saindo normalmente o croata, para dar lugar ao angolano. Porém, para rentabilizar o jogo aéreo de Azar Karadas, a equipa terá de produzir futebol de qualidade nas alas e colocar muitas bolas na área e, nessa perspectiva, é de crer que o técnico italiano possa repensar a estratégia e escolher entre Nuno Gomes e Sokota ou, porque não, o reaparecido Mantorras, para acompanhá-lo no ataque. Caso contrário, Trapp arrisca-se a ter três pontasde- lança de grande qualidade (Nuno Gomes, Sokota eMantorras) no banco, isto no caso de Karadas confirmar-se como elemento imprescindível. Muleta de Nuno Gomes? Caso especial é o de Nuno Gomes, talvez o jogador que mais pode beneficiar com a chegada de Azar Karadas. O jogador nunca escondeu que rende mais quando tem um avançado peitudo à sua frente e, de facto, olhando para as suas estatísticas a sua veia goleador foi muito superior quando jogou ao lado de jogadores como Jimmy Hasselbank (Boavista) ou Brian Deane. Não se pode esquecer, no entanto, que Sokota é já uma referência do ataque encarnado e Mantorras, em forma, é uma figura incontornável. Mas estas são dores de cabeça saudáveis, que os treinadores que antecederam Trapattoni gostariam de ter e nunca tiveram, pelo que caberá ao técnico gerir da melhor maneira. Crise de abundância no ataque do Benfica...quem diria? José Águas Maior goleador europeu na época de 1960/61, José Águas, o pai de Rui Águas, foi também por cinco vezes o melhor marcador do campeonato português. Fez o seu primeiro jogo pelo Benfica em 1950/51 e aí permaneceu durante treze épocas, tendo-se sagrado campeão nacional por cinco vezes, além de conquistar sete Taças de Portugal e duas de campeão europeu. Para muitos, foi o mais exímio cabeceador da história do Benfica. Quem o viu jogar tem na retina a elegância com que correspondia aos cruzamentos de José Augusto, na direita, ou de Simões, na esquerda. Apesar de ser considerado um especialista no jogo aéreo, era igualmente excelente a finalizar com os pés. José Torres Mesmo agora, seria considerado um futebolista extremamente alto, imagine-se na sua altura. O jeito que dava a um clube português ter nas suas fileiras um jogador com 1,90 m. José Torres marcou muitos golos de cabeça durante os doze anos que representou o Benfica, formando dupla mortífera com o seu amigo Eusébio, que chegou de levá-lo a Moçambique e apresentá-lo à mãe. Para a história ficaram famosos os seus amorties, de cabeça, claro está, para a entrada, de rompante, do pantera negra, cujos remates eram, por norma, indefensáveis. Depois de deixar o Benfica, ainda jogou muitos anos, destacando-se no ataque do Vitória de Setúbal, onde foi jogador-treinador. Artur Jorge Chegou à Luz na época de 1969/70, após passagem pelo FC Porto e Académica e até à temporada de 1974/75 não conheceu a cor de outra camisola. Artur Jorge era um verdadeiro acrobata, pela facilidade com que marcava golos, em voo ou de bicicleta, mas foi, fundamentalmente, pela classe com que cabeceava, em soupless, e quase sempre com toques subtis, letais para os guarda-redes adversários, que marcou a sua geração. Ironias do destino, veio a sagrar-se campeão europeu, já como treinador, pelo F. C. Porto, e a sua relação com o ex-clube nunca mais foi a mesma. Aliás, a sua passagem pelo banco da Luz redundou num dos períodos mais controversos da história recente do Benfica. Maniche O tanque dinamarquês foi contratado em 1983. Os seus primeiros tempos não foram fáceis. Nessa altura, ficou conhecido como aquele rapaz alto e loiro. Depressa se encarregou de demonstrar que estavam enganados ao seu respeito. Michael Maniche era temível a jogar de cabeça, mas também uma força da natureza, capaz de arrastar os defesas que o agarravam pela camisola. Numa época em que os jogadores permaneciam anos nos clubes, o dinamarquês acabou por deixar a Luz em 1987, perdido o fulgor dos primeiros anos. Curiosamente, a sua fisionomia foi inspiração para alcunha a um grande jogador português: Nuno Ribeiro, vulgo Maniche. Rui Águas Foi o último grande cabeceador encarnado e já se passaram dez anos desde que saiu do Benfica. Dispensado dos iniciados do clube onde o pai se notabilizou, passou pelos juniores do Sporting, Sesimbra e Portimonense, onde despertou, finalmente, o interesse dos encarnados. Contava já 25 anos quando chegou à primeira equipa, mas encaixou que nem uma luva, transformando-se numa das estrelas. Herdou do pai características de goleador, atribuindo impressionante capacidade de impulsão ganha na prática do voleibol, uma das suas modalidades preferidas. Descontente com o salário que auferia, ainda representou o FC Porto duas épocas, voltando ao clube do coração para cumprir mais quatro épocas.