Luís Filipe Vieira, A paixão e o risco

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www.record.pt
O DIRIGENTE Luís Filipe Vieira, A paixão e o risco Em 1990, o presidente do Alverca, Manuel Ribeiro, percebeu que o clube só podia crescer com o apoio das chamadas “forças vivas” da, ao tempo, vila, hoje cidade. A Obriverca de Filipe Vieira e Eduardo Rodrigues já era empresa de destaque no ramo imobiliário. Por isso, Ribeiro convidou os dois sócios para entrarem nos Órgãos Sociais do clube, o que aceitaram, tal como o “amigo de negócios” Luís Fraga. Como homem de paixões, cedo ficou com o Alverca no coração; como empresário, traçou planos de crescimento para o clube que tinha equipa na II Divisão. Um ano depois, (91/92), é eleito presidente, por renúncia de Manuel Ribeiro, que passou para o departamento de futebol. Dá-se início à revolução: nesse ano é inaugurado o relvado e cresce a primeira bancada, no topo Sul. Depois, faz um acordo com o Sporting para transformar o Alverca em “satélite” dos leões. Enquanto a equipa de futebol tentava chegar à II Divisão de Honra sem grandes despesas, porque os atletas e equipa técnica estavam a cargo do clube de Alvalade, Luís Filipe empenhava-se nas obras. No final da época 94/95, o Alverca sobe de escalão e Pedro Santana Lopes, então presidente do Sporting, coloca um ponto final no acordo com os ribatejanos. Nesse mesmo dia, Luís Filipe Vieira chega a acordo com o Benfica. Os leões regressam a Alvalade; as águias voam para Alverca. Ao fim de três anos, com esta mesma política, a equipa chega à I Liga. Com o projecto desportivo cumprido, Luís Filipe, que manda iniciar a construção das restantes três bancadas do estádio, mais o pavilhão gimnodesportivo, avança com a criação da SAD, projecto que leva por diante com o auxílio de vários “amigos de negócios” que aceitam ser accionistas. Contrata José Couceiro para director-geral e um ano depois já está a ser “namorado” pela oposição a Vale e Azevedo para encabeçar uma lista à presidência do Benfica. O Benfica Em dez anos, o Alverca cresceu de uma forma surpreendente. “A SAD não seria uma realidade sem o Luís”, destaca um accionista. O desafio estava ganho e era chegado o tempo de partir para outra paixão: o Benfica. Apesar de o núcleo de amigos benfiquistas (Vítor Santos, Mário Dias e João Salgado, então vice-presidente da Mesa da AG do Alverca, cargo que mantém hoje e que acumula com o de chefe do Gabinete da Presidência do Benfica) o tentarem empurrar para a liderança de uma lista, é quando José Guilherme os avisa da disponibilidade de Manuel Vilarinho que Luís Filipe Vieira suspira: ele não se sentia preparado para dar passo tão grande e a solução Vilarinho era inteiramente do agrado dele. Podia assim começar a ajudar o Benfica, sem abandonar totalmente o Alverca, e ao mesmo tempo ganhar preparação para o cargo que os amigos lhe vaticinavam: o de presidente da SAD encarnada. Como a lei não lhe permitia ser presidente do Conselho de Administração da Benfica, SAD, dado que havia desempenhado semelhante cargo em Alverca até há menos de um ano, Luís Filipe entrou no clube como “gestor do futebol”, sem cargo oficial. Ouvir ou não Se a figura do Luís Filipe homem e empresário é mais ou menos consensual, a do dirigente gera controvérsia. “Ele tem um problema de ego. Gosta muito de ver-se nas primeiras páginas dos jornais”, criticam-no. “O Luís Filipe precisa tanto do Benfica para se projectar como eu de um motor de avião”, sai em defesa um companheiro dos tempos da Varanda do Tejo. “Ele deixa-se influenciar muito por quem está fora do Benfica, ouve mais essas pessoas do que as do clube”, queixam-se na Luz. “O Luís tem noção das limitações próprias. Por isso, depois de ser eleito vai arranjar um ‘Mário Dias’ para o futebol, uma pessoa em quem confie e a quem reconheça capacidade para as funções”, vaticina quem o conhece. “O Luís não gosta de quem apenas lhe diga que sim, gosta de pessoas com forte personalidade. Ele trabalhou muitos anos com o Paulo Barbosa e, agora, com o José Veiga. São empresários com personalidades vincadas. Trabalhar com ele significa, muitas vezes, ter grandes discussões, mas ele sabe reconhecer quando está errado e dá o braço a torcer. Não no imediato, é certo, mas mais tarde vai reconhecer que errou. Isso tem a ver com o facto de ser orgulhoso”, explica quem já discutiu com ele. “É um homem de sucesso, mas os métodos revelam uma certa desorganização. É ambicioso, tem uma disponibilidade enorme para o trabalho, mas negociar um terreno não é o mesmo que tentar contratar um jogador”, avisa alguém ligado ao futebol. Ricardo, Atouba e Fyssas não estão no Benfica, em parte, devido à inflexibilidade do candidato a presidente do clube. “Não pensem que o Luís entra em loucuras para reforçar a equipa. O Luís que conheço não o faz, é um empresário, tem os pés assentes no chão. É mais fácil parti-lo do que fazê-lo dobrar-se”, defende o velho “companheiro de outras lutas”. Como Pinto da Costa Para Luís Filipe Vieira, o trabalho só faz sentido se feito em equipa. Demonstrou-o em Alverca, com José Couceiro, ou na obra do estádio, com Mário Dias. “Ele tem muito a cultura do trabalho em equipa. Gosta de grandes discussões e revela enorme disponibilidade para aceitar opiniões. Em Alverca, teve a ideia de vender a bilheteira dos 17 jogos em casa a várias empresas. Discutiu o assunto com a empresa All Sport, a coisa avançou e nunca ninguém o ouviu chamar a si a paternidade da ideia. Precisamente porque sabe que o sucesso se deveu ao trabalho desenvolvido em equipa, lembra um ex-colaborador no Alverca, dando outra achega: “O Luís Filipe e o Pinto da Costa são iguais. Estão abertos a novas ideias e confiam naqueles a quem reconhecem competência nas áreas que não dominam.” “Como dirigente? é esperto e solidário, está atento à evolução das coisas e é aberto às novas tendências”, sublinha quem com ele teve relações comerciais. O risco não é a profissão dele, como dizia a promoção de um programa televisivo dos anos 80. Mas “o Luís é homem de aceitar correr riscos, aliás, ele tem o gosto pelo risco, de meter--se em algo difícil e sair vencedor”, retrata um amigo. “O negócio Euroárea e o novo estádio não seriam possíveis sem a intervenção de Luís Filipe Vieira”, diz quem está no Benfica e acompanhou de perto esses problemas. O Kadhafi dos pneus Uns dizem que ganhou o cognome pela aparência física (mas o líder líbio, enquanto chefe de Estado, nunca usou bigode?); outros garantem que ficou assim conhecido pela forma como geria o negócio dos pneus, iniciado num “barracão” (Autopneus da Póvoa), mas que anos mais tarde se traduziria no “gigante” Hiperpneus, com activos superiores a 5 milhões de contos. Seja como for, o “Kadhafi dos pneus” abandonou o ramo em Dezembro de 1999, para concentrar os negócios na área da promoção imobiliária, “bichinho” que o “roía” desde finais dos anos 70, quando começou a jantar quase diariamente na Varanda do Tejo, restaurante de Santa Iria da Azóia que juntava à mesa muitos “amigos de negócios”, entre os quais Vítor Santos, Mário Dias (hoje, vice-presidente do Benfica), Amadeu Dias (que iria urbanizar a Quinta Grande) e Luís Fraga (PrediCapital). “Naquela mesa realizavam-se negócios de muitos milhões e, embora o Luís estivesse ligado aos pneus, já ia fazendo um ou outro com terrenos”, lembra um dos parceiros. Aquele grupo dos jantares (hoje é quase o mesmo, mas transferido para a mesa do Sete Mares, em Lisboa) iria marcar fortemente o jovem empresário Luís Filipe (com pouco mais de 30 anos). Ali criou amizades muito fortes (Mário Dias, por exemplo) e cumplicidades. Outra visão Com o passar dos anos, Luís Filipe ganhou capacidade financeira para entrar mais a sério na área da promoção imobiliária. Depois de alguns negócios em nome individual, começou a dar dimensão à Obriverca, sociedade que deteve com Eduardo Rodrigues durante cerca de dez anos. Paralelamente a essa sociedade, continuava a adquirir terrenos e a aumentar o património. E, porque revelava uma concepção empresarial diferente da daqueles que com ele privavam, deu nas vistas. “O negócio dos pneus levou-o a viajar muito, a contactar com vários empresários estrangeiros e isso fê-lo olhar de forma diferente para as coisas: começou a compreender a importância da promoção e da estratégia. No mundo dos “patos bravos”, todos vão atrás da moda. Se o que está a dar é construir ali, vai logo tudo a correr para lá. O Luís analisa bem as coisas, procura alternativas e raramente vai pelo óbvio. Por isso tem hoje o que tem”, confidencia um amigo de longa data. E o que tem hoje o empresário Luís Filipe Vieira? 95% da “holding” INLAND, Promoção Imobiliária, SA, formada por doze empresas, as quais, entre activos e Capitais Próprios consolidados, gere perto de 35 milhões de contos. O império O homem que quer suceder a Vilarinho, é o presidente do Conselho de Administração (CA) de metade das doze empresas da INLAND; presidente do CA da OnlyProperties (activos na ordem dos 11 milhões de contos); presidente do CA da Overbrick (activos na ordem dos 2 milhões e meio de contos) e gerente da Cofibrás, onde conta com uma participação de 50% na sociedade que tem, em activos, cerca de 400 mil contos. Se juntarmos estas três empresas à “holding” já referida, percebemos que, aos 54 anos, gere um império de quase 50 milhões de contos. Crédito “É imaginativo e dinâmico”, diz quem trabalhou com ele. “É um negociante nato”, garante quem já esteve à mesma mesa. Ser “homem de palavra” é o trunfo. “Não é por se ter muito património ou muito dinheiro que os bancos nos abrem as portas: ter palavra e honrar os pagamentos a tempo é o mais importante, e essa é a grande vantagem do Luís. Tem grande crédito porque não falha com a banca.” A história do estádio Vilarinho ganhou as eleições e os quatro amigos do ramo imobiliário estavam juntos para ajudar a dar corpo ao sonho: um estádio novo. Vítor Santos cedo saiu de campo, depois de entrar em rota de colisão com Luís Filipe. "Isso aconteceu porque o Bibi não sabe estar. O Luís não gostou de algumas coisas que ele fez e disse. O Benfica separou-os", lembra quem acompanhava este grupo. "O José Guilherme, com a saída do Vítor Santos, também achou melhor não continuar. O Luís, de repente, estava só com o Mário Dias, para assumir um projecto de largos milhões de contos." Dando razão aos que dizem que gosta de riscos, avançou decidido com Mário Dias para os bancos, conseguiu o crédito e arrancou com a obra. "O Luís elogia sempre o Mário pela obra do estádio porque sabe que esse amigo de longa data foi determinante, na entrega e na vontade, para a conclusão da mesma. E o Luís gosta de repartir o sucesso com quem o merece." Solidário e bairrista Luís Filipe Ferreira Vieira nasceu em Lisboa, a 22 de Junho de 1949. Viveu com os pais, no bairro das Furnas, nas traseiras da Cidade Universitária, quase a meio caminho entre o Estádio de Alvalade e o Estádio da Luz, deixando o aglomerado de casas pré-fabricadas ao casar, com Vanda, sobrinha de António Simões, actual director-geral do Benfica. Mudou-se para o Lumiar e teve dois filhos, o Tiago (hoje com 26 anos e casado) e a Sara (com 18 e solteira). Quando a estabilidade financeira o permitiu, construiu uma moradia na Marisol, perto da Aroeira. Podia ter ido para um local mais “in”, “mas não é de ostentar e tem gostos simples”, explica um amigo, garantindo que a opção se deveu à paixão pelo mar e pelo sossego. “Ainda hoje mantém o lado bairrista, caracterizado pela solidariedade”, revela quem o conheceu jovem. “Com a sogra e a esposa, desenvolveu uma característica que já tinha: a de altruísta. Gosta de ajudar quem precisa. Se sabe que determinado vizinho ou conhecido precisa de uma cadeira de rodas, por exemplo, concede ajuda financeira. E olhe que há muito dinheiro empregue nesse tipo de ajudas”, acrescenta um familiar. A actividade de empresário e a de dirigente deixam-lhe pouco tempo para a família. “Derrete-se todo com os filhos. Pode estar vários dias sem os ver ou sem tempo para lhes dar muita atenção, mas quando estão juntos é vê-lo de coração derretido”, contam-nos. O filho Tiago, que tirou um curso superior nos Estados Unidos e é administrador da INLAND, não gosta muito da exposição do pai por andar no futebol. A filha ainda estuda. Tem facilidade em cativar os que o rodeiam pela simplicidade; é extrovertido, mas de “verdade brutal”, não conseguindo esconder aquilo que pensa de determinada pessoa ou situação, dizendo o que julga ser correcto com frontalidade. De piada fácil, não se sente confortável com a exposição mediática que tem, garantem os amigos. O problema é mesmo com a televisão. “Ele está sempre com o ‘hã’ e o ‘ok’ e sabe disso. Acho que evita ir à televisão por reconhecer que não se sai muito bem”, diz um amigo. Filiações Sócio 7331 do Sport Lisboa e Benfica, é igualmente associado do Sporting e do FC Porto. Filiou-se no clube leonino nos anos 80 (sócio nº 21 265) para poder usufruir das piscinas do Campo Grande (perto da residência e do escritório), quando o médico lhe aconselhou a natação para ultrapassar problemas respiratórios. Não paga as quotas do Sporting desde Dezembro de 2000. No FC Porto é o sócio nº 21 510, depois de duas actualizações após o dia em que se inscreveu – 16 de Janeiro de 1985). “Fez-se sócio do FC Porto por questões de negócios. Na altura devia ter algum interesse em filiar-se no FC Porto, caso contrário não o fazia, até porque é totalmente benfiquista”, garante um familiar. Desgosto Todos os que com ele privam alertam para o facto de ser homem de paixões. Em vários aspectos. Este Verão, sofreu um enorme desgosto, pela morte da cadela Branquinha. “Telefonou a todos os amigos a dar a notícia, fez daquilo um caso nacional, e estava tão inconsolável que se fechou em casa. Era para ir à Suíça ver o Benfica- -Sporting e acabou por nem ir.” Luís Filipe andava com algumas preocupações relacionadas com o “timing” para o pagamento de alguns impostos do Benfica. Como queria cumprir os prazos, andava numa roda-vida a tentar encontrar soluções. Em simultâneo, a cadela adoece, vai com ela algumas vezes ao veterinário até que Branquinha acaba por falecer. A carga emocional foi muito forte. Por uns dias, o conforto da família foi a solução encontrada para ganhar ânimo.