As recordações de Camacho

Fonte
www.abola.pt
As recordações de Camacho O jornalista da RTP, Gabriel Alves, é o autor de um livro com cerca de 140 páginas sobre a vida de José Antonio Camacho durante o período em que o treinador espanhol esteve a trabalhar em Portugal. O título da obra, aliás, diz quase tudo: Um ano e meio à Benfica. Segundo Gabriel Alves, «fala também de Portugal e de Lisboa, da Selecção portuguesa, do Euro-2004 e de quem foram para Camacho os melhores treinadores e jogadores do último Campeonato da Europa». O livro vai ser apresentado em Janeiro em Lisboa e A BOLA antecipa-lhe algumas das partes mais interessantes. A vida de Camacho na Luz: é esse percurso que fica relatado agora num livro da autoria do jornalista Gabriel Alves, cujo trabalho envolveu naturalmente uma longa conversa com Camacho, em Madrid. O livro, editado pela FUBU e que conta com prefácio do presidente encarnado, Filipe Vieira, é apresentado a 4 de Janeiro na loja da TBZ, no Estádio da Luz (esperam-se as presenças de Filipe Vieira e Camacho), e conta, na primeira pessoa, como o técnico espanhol viveu e sentiu a sua experiência em Portugal. Os primeiros momentos de Camacho na Luz ficaram marcados, segundo o próprio, «pela constatação do espírito benfiquista», algo que «é extremamente difícil de igualar seja por que clube for». Para Camacho, «a paixão e o constante sonhar em que os adeptos encarnados estão mergulhados fazem com que o emblema se mantenha vivo, de marcando-se claramente dos restantes. Ao mesmo tempo que encontrei, de imediato, algo de extremamente positivo, não demorei muito a deparar-me como que de mau existia no Benfica nessa altura.» «Duma maneira geral—diz Camacho— acho que agradei e que os sócios e adeptos do Benfica gostaram da minha passagem pelo clube. (...) As pessoas gostam da verdade e da sinceridade e quem diz sempre a verdade, por muito difícil que às vezes esta seja, está sempre bem.» Nunca pensou desistir do Benfica... O treinador espanhol recorda: «Normalmente, em Lisboa, deslocava-me de táxi, andava pelas ruas e fui percebendo que os adeptos do Benfica conversavam muito entre si. Mostravam-se pessimistas em relação aos muitos problemas do clube e a toda uma imensidão de assuntos que acabavam por se tornar do foro público.» E confessa: «Desistir do Benfica foi algo que nunca me passou pela cabeça. O que aconteceu é que quando terminei a minha primeira época senti necessidade que os adeptos encarnados soubessem quais eram, verdadeiramente, os problemas do Benfica. Caso contrário, tornava-se impossível trabalhar.» Na sua opinião, «o Benfica tem agora uma equipa formatada. No entanto, ainda são necessários alguns retoques para que esta formação se possa tornar campeã. Trata-se de uma equipa repleta de jovens futebolistas que, como é óbvio, precisam de tempo para se tornar jogadores ganhadores. Por outro lado, acho que o Benfica ainda precisa de dois ou três futebolistas que se destaquem um pouco pela sua qualidade, dando mais capacidade ao conjunto». Ronaldinho, Filipe Vieira... Noutra passagem do livro, Camacho fala de jogadores: «A contratação de Rui Costa sempre me pareceu difícil de ser concretizada, desde logo porque ele tem um contrato com o Milan! Já no que diz respeito a Ronaldinho Gaúcho, considero que no ano em que o Benfica estava a festejar o seu centenário deveria ser contratado um grande jogador. Estava absolutamente seguro de que se o clube contratasse uma estrela iria criar-se uma dinâmica muito forte, arrastando muito público ao estádio e motivando toda a equipa. Recordo que nessa época o Ronaldinho jogava no Paris Saint-Germain. Quando falámos com ele, estava disponível para vir para o Benfica e o acordo com o PSG bem encaminhado. Para completar a operação, só nos faltou o apoio dos bancos.» A propósito, Camacho conta: «Quando nos interessávamos por um determinado jogador, rapidamente a notícia chegava aos jornais. Sei que as fugas de informação são um lugar-comum no mundo do futebol actual, mas se um clube não tem capacidade financeira, como era o caso do Benfica, a importância do sigilo aumenta substancialmente.» Mas Camacho manifesta toda a sua satisfação pela vida no clube encarnado: «Estou, e estarei, eternamente grato ao Benfica e aos seus adeptos, esperando, sinceramente, que este seja um sentimento recíproco. Apesar de considerar que não devo ser sócio do clube, devo confessar que continuo adepto do Benfica.» E o técnico espanhol dedica palavras particulares a Filipe Vieira: «É muito difícil liderar umclube assim, a não ser que se comprometa o seu próprio património e o da sua família para ajudar o Benfica. E o presidente Luís Filipe Vieira fê-lo. Isto foi o que mais valorizei nele.» Luisão, Nuno Gomes, Fehér, Baião... José António Camacho aborda também alguns casos individuais de jogadores do clube em frases como: «Foi possível afirmarem que o Luisão não era um bom jogador para o Benfica; sobre o Benfica pode dizer-se tudo, mesmo os maiores disparates. (...) Petit é um todo-o-terreno (...). Não é fácil encontrar um jogador como o Simão (...). Tenho pena de não ter visto o verdadeiro Nuno Gomes.» E comenta assim o facto de não ter conseguido ser campeão: «Ao Benfica não faltou nada para que pudesse ter sido campeão. O que sucedeu foi que nos deparámos com um FC Porto muito forte, talvez anormalmente forte.» São muitas as frases significativas de Camacho ao longo do livro: «As mortes de Fehér e de Bruno Baião são difíceis de esquecer onde quer que eu esteja.» «Parece-me que se pode afirmar que o Benfica e o Real Madrid são clubes com muitas semelhanças.» «Acredito que, no futuro, o Benfica poderá vir a vencer a Liga dos Campeões ou a conquistar a Taça UEFA.» E sobre a UEFA, lá vem a recordação da eliminatória perdida com o Inter de Milão: «Em San Siro, o Benfica deu um festival de futebol, mas os italianos, no contra-ataque, derrotaram-nos.» José Mourinho, o Euro, Scolari... No livro, Camacho dedica palavras a outras personalidades. Por exemplo: «Considero que José Mourinho é um treinador que marcou uma época no futebol português e que merece ser reconhecido pelos portugueses. Demonstrou ser um dos melhores treinadores da Europa e isso é uma referência para Portugal.» Sobre o Euro-2004, diz Camacho que «Portugal, parece-me, teve alguma sorte na parte final do jogo contra a Espanha », mas nem por isso deixa de elogiar o seleccionador português Luiz Felipe Scolari: «Para mim, foi, sem dúvida, o melhor treinador.» E num auto-retrato: «Considero-me uma pessoa atípica no futebol. Normalmente quando alguém se envolve no mundo do futebol parece que está às ordens dos demais. Eu estou sempre por minha conta. (...) Por isso, só aceito contratos por um ano, porque não quero ficar onde estou se não me sentir bem.» O livro está cheio de recordações de Camacho e o treinador espanhol procura claramente mostrar como parte do seu coração continua benfiquista. Chega a afirmar: «Esta forma de estar, de viver e de sentir o Benfica é algo muito bonito e muito difícil de igualar.»