Cavém
1955-1968
Ainda não estava sequer matriculado na escola primária, quando Cavem descobriu, na singela casa da família, em Vila Real de Santo António, um retrato do pai, equipado à futebolista, com uma pose de tal ordem que o puto ficou fascinado. Na génese da paixão, como tantos outros, logo se dedicou ao muda-aos-cinco-acaba-aos-dez, afigurando-se jogador de futebol.
Norberto Cavém, assim se chamava o procriador, havia defendido os emblemas do Lusitano de Vila Real e do Olhanense, com nota acima do suficiente. Ao ponto de chegar a treinar-se no Benfica. Na capital só não ficou porque ao bucólico chamariz da terra irresistiu. De vermelho vestiria, mais tarde, o filho Domiciano, enquanto o primogénito Amílcar, no Sporting da Covilhã, assinaria também trabalho meritório.
Cavém era pouco dado ao universo dos livros. Aos 14 anos, aprovado no exame da quarta classe e já a bulir nos estaleiros navais, inscreveu-se no Celeiros. Nome bizarro esse, o do pequeno clube que arraiais assentou num espaço contíguo à estação de caminhos-de-ferro, mesmo ao pé dos armazéns de cereais. Está percebido.
Logo chamado pelo pai, quando começou a treinar o Lusitano, cujo quadro registava a baixa, entre outros, de um tal José Maria Pedroto, a caminho de Belenenses, por imperativos militares. Não obstante o concurso de Cavem, caiu o Lusitano à III Divisão e, para o adolescente, pior ainda, o incumprimento de uma promessa de emprego.
Partiu para a serra. Dois anos jogou, ao lado do irmão Amílcar, no Sporting da Covilhã. Foi interior, avançado-centro e extremo-esquerdo. Trabalho é que não, tal como no Algarve, também na Beira o prometido não parecia ser devido. Contumaz, preparou-se para representar o Vitória de Setúbal, a troco também de um lugar na Câmara Municipal da terra do poeta Bocage. Só que o Benfica foi mais veloz, mostrou o pilim, conquistou Cavém e transformou-o profissional de futebol.
Na Luz, teve direito ao baptismo internacional, frente ao Valência. Fixou-se na equipa por mérito próprio, ainda que a lesão de Fialho abrisse uma vaga na ala esquerda do comando de ataque. De 56 a 69, o Benfica foi a sua vida. Ele que até era sportinguista, sem que saiba bem porquê, ao longo de 14 épocas incorporou o esquadrão rubro. Fez mais de 400 jogos, ultrapassou a centena de golos. Começou a extremo, médio se fez, terminou defesa, indistintamente à esquerda ou à direita, alardeando uma polivalência só ao alcance dos efectivamente dotados. “O Barrocal, como nós lhe chamávamos, era um grande colega e um jogador espectacular, do melhor que alguma vez se viu passar pelo nosso Benfica”, diz Mário João, companheiro de tantas jornadas inesquecíveis. “Que mais posso eu dizer?”. Se calhar, nada.
Com aquela habilidade virtuosa, Cavém deixou marcas logo no final da década de 50. Equilibradas estavam muito as forças no futebol nacional, com Benfica, FC Porto e Sporting a chegarem ao titulo ou aos títulos. A partir de 60, sempre com ele também, disparariam as águias para o mais pronunciado domínio de sempre. Teve, assim, o privilégio de actuar na era vermelha. E de a tornar possível.
Supersticioso, conta que uma vez, num sonho, lhe apareceu uma imagem, exigindo que barba usasse em troco de triunfo certo. Pela manhã, exibiu os primeiros sinais de obediência. Dias depois, ganhou o jogo. “Ainda hoje me arrependo de não ter jogado de barba na final de Wembley, com o Inter”, confessa, mergulhado numa áurea de misticismo.
Na Selecção Nacional também fez figura, entre 57 e 63. Foram seis anos em que se revelou imprescindível, começando a dar corpo a uma geração que, em Inglaterra, chegaria ao fastígio. No Mundial de 66 já não esteve. Trintão, caminhava para o final da maior aventura da sua vida. A derradeira pelo Benfica aconteceu em Setembro de 68, com o Vitória de Setúbal, na Luz, tinha já 36 anos.
Notabilizou-se ao marcar um golo ao FC Porto, com apenas 16 segundos de jogo, numa final da Taça. Hoje, recorde ainda. Por muitos anos, decerto, também.
Amarguras, essas, sobretudos as teve depois de pendurar as botas. Com carta de treinador na algibeira, feliz não foi por onde passou. E do Benfica, do Benfica apresenta as queixas de quem não viu pagar amor com amor. “Penso que por aquilo que ajudei a conquistar para o clube, merecia outro tipo de tratamento. Não tenho jeito para mendigar, nunca tive, mas não deixa de ser verdade que outros que não deram tanto prestigio ao Benfica como eu dei foram auxiliados e, quanto a mim, se calhar por não viver em Lisboa, fui esquecido”.
Não foi na festa de inauguração do novo Estádio da Luz. Veio de Alcobaça. E que bom rever Cavém!
Para mais na última viagem com a bandeira da mística.
Épocas no Benfica: 14 (55/69)
Jogos: 416
Golos: 103
Títulos: 9 CN, 5 TP e 2 TCE
Main team | Matches | Minutes | Cards (Y./R.) | Goals | |
---|---|---|---|---|---|
1955/1956 | 17 | 1530 | 0 / 0 | 7 | |
Portuguese League | 13 | 1170 | 0 / 0 | 5 | |
Portuguese Cup | 2 | 180 | 0 / 0 | 1 | |
Latin Cup | 2 | 180 | 0 / 0 | 1 | |
Friendlies | 3 | 1 | |||
1956/1957 | 32 | 2880 | 0 / 0 | 11 | |
Portuguese League | 22 | 1980 | 0 / 0 | 10 | |
Portuguese Cup | 8 | 720 | 0 / 0 | 1 | |
Latin Cup | 2 | 180 | 0 / 0 | 0 | |
Friendlies | 0 | 0 | |||
1957/1958 | 27 | 2430 | 0 / 0 | 14 | |
Portuguese League | 19 | 1710 | 0 / 0 | 12 | |
Portuguese Cup | 6 | 540 | 0 / 0 | 2 | |
European Cup | 2 | 180 | 0 / 0 | 0 | |
Friendlies | 17 | 2 | |||
1958/1959 | 35 | 3150 | 0 / 0 | 26 | |
Portuguese League | 26 | 2340 | 0 / 0 | 21 | |
Portuguese Cup | 9 | 810 | 0 / 0 | 5 | |
Friendlies | 9 | 0 | |||
1959/1960 | 37 | 3330 | 0 / 0 | 18 | |
Portuguese League | 26 | 2340 | 0 / 0 | 13 | |
AF Lisboa Taça de Honra 1ª Divisão | 2 | 180 | 0 / 0 | 0 | |
Portuguese Cup | 9 | 810 | 0 / 0 | 5 | |
Friendlies | 3 | 2 | |||
1960/1961 | 39 | 3330 | 0 / 0 | 18 | |
Portuguese League | 24 | 2160 | 0 / 0 | 13 | |
AF Lisboa Taça de Honra 1ª Divisão | 2 | 0 | 0 / 0 | 1 | |
Portuguese Cup | 4 | 360 | 0 / 0 | 2 | |
European Cup | 9 | 810 | 0 / 0 | 2 | |
Friendlies | 4 | 1 | |||
1961/1962 | 42 | 3780 | 0 / 0 | 10 | |
Portuguese League | 24 | 2160 | 0 / 0 | 3 | |
AF Lisboa Taça de Honra 1ª Divisão | 2 | 180 | 0 / 0 | 0 | |
Portuguese Cup | 6 | 540 | 0 / 0 | 5 | |
European Cup | 7 | 630 | 0 / 0 | 2 | |
Taça Intercontinental | 3 | 270 | 0 / 0 | 0 | |
Friendlies | 10 | 2 | |||
1962/1963 | 36 | 3240 | 0 / 0 | 1 | |
Portuguese League | 21 | 1890 | 0 / 0 | 1 | |
AF Lisboa Taça de Honra 1ª Divisão | 1 | 90 | 0 / 0 | 0 | |
Portuguese Cup | 5 | 450 | 0 / 0 | 0 | |
European Cup | 7 | 630 | 0 / 0 | 0 | |
Taça Intercontinental | 2 | 180 | 0 / 0 | 0 | |
Friendlies | 12 | 2 | |||
1963/1964 | 40 | 3420 | 0 / 0 | 0 | |
Portuguese League | 26 | 2340 | 0 / 0 | 0 | |
AF Lisboa Taça de Honra 1ª Divisão | 2 | 0 | 0 / 0 | 0 | |
Portuguese Cup | 8 | 720 | 0 / 0 | 0 | |
European Cup | 4 | 360 | 0 / 0 | 0 | |
Friendlies | 10 | 0 | |||
1964/1965 | 37 | 3330 | 0 / 0 | 1 | |
Portuguese League | 19 | 1710 | 0 / 0 | 0 | |
Portuguese Cup | 10 | 900 | 0 / 0 | 1 | |
European Cup | 8 | 720 | 0 / 0 | 0 | |
Friendlies | 6 | 0 | |||
1965/1966 | 28 | 2520 | 0 / 0 | 0 | |
Portuguese League | 21 | 1890 | 0 / 0 | 0 | |
Portuguese Cup | 5 | 450 | 0 / 0 | 0 | |
European Cup | 2 | 180 | 0 / 0 | 0 | |
Friendlies | 4 | 0 | |||
1966/1967 | 36 | 3150 | 0 / 0 | 0 | |
Portuguese League | 26 | 2340 | 0 / 0 | 0 | |
AF Lisboa Taça de Honra 1ª Divisão | 1 | 0 | 0 / 0 | 0 | |
Portuguese Cup | 5 | 450 | 0 / 0 | 0 | |
Taça das Cidades com Feira | 4 | 360 | 0 / 0 | 0 | |
Friendlies | 14 | 0 | |||
1967/1968 | 20 | 1620 | 0 / 0 | 0 | |
Portuguese League | 11 | 990 | 0 / 0 | 0 | |
AF Lisboa Taça de Honra 1ª Divisão | 2 | 0 | 0 / 0 | 0 | |
Portuguese Cup | 3 | 270 | 0 / 0 | 0 | |
European Cup | 4 | 360 | 0 / 0 | 0 | |
Friendlies | 7 | 0 | |||
1968/1969 | 2 | 31 | 0 / 0 | 0 | |
Portuguese League | 1 | 7 | 0 / 0 | 0 | |
European Cup | 1 | 24 | 0 / 0 | 0 | |
Friendlies | 0 | 0 | |||
Total friendly matches | 99 | 10 | |||
Total Official Matches | 428 | 37741 | 0 / 0 | 106 |
In main squad |
---|
First match
SL Benfica 3 - 2 Valencia CF
Friendlies
Last match
SL Benfica 2 - 1 Vitória FC
Portuguese League
- administrador on Sunday, 24 September 2023
- Shoky on Sunday, 21 March 2021