Fernando Aguiar: «Não sou jogador de técnica mas sou útil e destemido»

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www.record.pt
Fernando Aguiar casa-se hoje às 14 horas na Maia e deve assinar contrato com o clube preferido, o Benfica, no decorrer desta semana. Em momento de intensa mudança, o trinco assume sem rodeios o estilo rude dentro do campo por oposição à tranquilidade fora dele. Desvaloriza a própria idade, 29 anos, e a concorrência que vai encontrar. Diz que quer ganhar tudo na Luz e recorda os tempos em que praticou hóquei no gelo O PRIMEIRO reforço do Benfica na reabertura do mercado de Dezembro assume-se como trinco e destruidor de jogo. Reconhece que prefere lances divididos a jogadas elaboradas. Distingue-se, sem complexos, dos aplaudidos médios criativos e dos pontas-de-lança. Gaba-se da entrega total ao trabalho. Gosta de empregar o adjectivo "útil" para se autodefinir. E acrescenta que o passado de hoquista no gelo, quando vivia no gelado Canadá, o ajudou na formação futebolística. Se os responsáveis do Benfica acham que a equipa necessita, entre outras coisas, de um acréscimo de competitividade, encontraram o homem certo: o simples, directo e descontraído Fernando Aguiar, que aos 29 anos se prepara para concretizar um sonho alimentado desde a infância: jogar num grande e logo naquele que mais gosta, o Benfica. Record falou com ele na véspera de um dia importante - casa-se hoje, às 14 horas, na Maia, com Rosa Aguiar, mãe da sua única filha - e a poucos dias da inevitável transferência. - Afinal, já houve algum contacto? - Não. O único contacto que tive foi através da comunicação social, pelas palavras do presidente do Beira Mar, Mano Nunes, que disse estar tudo 99,9 por cento certo. Talvez amanhã (hoje) saiba de alguma coisa. - Está preparado para a transferência? - Estou sempre preparado para qualquer desafio. Ainda para mais, o Benfica. É gratificante, trabalho todos os dias nos limites para isto. - É um passo inesperado, tendo em conta a sua carreira. - Sim. Já passei por momentos altos, por momentos baixos. Nunca pensei que isto acontecesse. Foi tudo de repente. É evidente que temos sempre a fantasia de um grande se interessar por nós e como penso sempre positivo... Eu procuro nunca me iludir porque quando se sonha demais a queda é grande. Aliás, nem agora sei de nada. Nunca deixei de dormir por causa disso. É como no totoloto: se ganhar ganhei, se não ganhar tudo bem na mesma. - Aquela conversa com o Toni, no final do Beira-Mar-Benfica (3-3), está na origem da transferência? - Ele deu-me os parabéns pelo jogo que fiz, mas não me falou em nada de concreto. - Não é comum, os grandes clubes contratarem jogadores de 29 anos a outros clubes portugueses. Isso afecta-o? - Antigamente seria mais difícil isto acontecer. Hoje em dia não há grande diferença entre quem tem 25 ou 26 anos e quem tem 30. Há muitos exemplos disso. - A que é que isso se deve? A novos métodos na preparação física dos jogadores? - O Mundo está sempre evoluir e o ser humano também. Hoje já toda a gente sabe comer, o que faz bem e o que faz mal. Tem-se mais cuidado com a saúde e isso reflecte-se positivamente. - Como se gosta de caracterizar: trinco, médio-defensivo ou simplesmente médio? - Assumo-me como trinco, como destruidor de jogo, fazendo jogar. É assim que me defino. - Não é uma posição popular entre os adeptos e imprensa. Teme vir a suscitar dúvidas? - Não tenho nada a provar. Quando entrar dentro de campo, as pessoas verão. Não sou um ponta-de-lança, não sou jogador para brilhar, não tenho muita técnica. Mas sou útil, trabalho a cem por cento, não tenho medo de lances divididos. Início a ponta-de-lança - Mas já jogou ocasionalmente noutras posições? - Comecei como ponta-de-lança, em miúdo no Canadá. Já joguei a defesa-central mas não me sinto tão à vontade como a trinco. Já joguei a lateral mas apenas em circunstâncias específicas durante os jogos (n.d.r.: esta época, frente ao Farense, na segunda parte). De resto, como trinco gosto também de subir no relvado, quando a equipa está a perder, por exemplo. - Nasceu em Portugal ou no Canadá? - Nasci em Chaves e fui para Toronto com dois anos. - Que modalidades praticou na infância? - Jogava futebol americano e basebol mas apenas com os meus amigos gregos e espanhóis também emigrados. Hóquei no Gelo é que joguei numa liga, embora não profissional. - A prática dessas modalidades ajudou-o a tornar-se num melhor futebolista? - Ajudou. Fui sempre um jogador raçudo, que não vira a cara à luta e sempre gostei dos choques. O hóquei em gelo foi importante, nesse aspecto. Mas as 'pizzas' e os 'hamburgers' que comi também me ajudaram (risos). Na altura não gostava da comida da minha mãe. Agora é que gosto. - E o futebol quando é que aparece? - Com nove anos, o meu primo Mitchell apareceu em minha casa e perguntou-me se o queria substituir numa equipa de futebol, já que ele vinha de férias para Portugal. Respondi-lhe que sim. Treinei-me, o treinador elogiou-me e passei a ser o ponta-de-lança do Scarborough Blizzard. Fiquei seis anos, até aos 15. Depois transferi-me para o Wexford e para o Oshawa, onde fui campeão canadiano já como trinco. Finalmente, passei para o Toronto Blizzard, uma equipa onde já jogou o Roberto Bettega e o David Byrne, que também foi do Belenenses. - E veio a selecção? - Não. Só quando cheguei ao Marítimo me tornei internacional. Fui para a Madeira à experiência, através de um amigo canadiano. Tive cinco semanas à prova e acabei por ficar dois anos. Mais dois no Nacional, outros dois no Maia e agora dois e meio no Beira-Mar. - Foi um choque muito grande a passagem do Canadá para Portugal? - Não. Cheguei cá com uma idade ainda boa para aprender, 20 anos, e aprendi muito, como agora se prova. «Concorrência no Beira-Mar também é muito forte» Fernando Meira, Ednilson e Andersson são os principais concorrentes a Fernando Aguiar no Benfica. O médio luso-canadiano elogia-os a todos mas desvaloriza logo de seguida porque "no Beira Mar a concorrência também é forte", por isso, na Luz, irá trabalhar "para chegar ao 'top'". "O Fernando Meira é um pouco mais alto que eu (risos) e mais jovem. É bastante forte, tem um estilo parecido com o meu. Já o vi jogar a defesa-central também e a render", começou por afirmar Aguiar. Outro internacional, Ednilson, também merece os tradicionais elogios: "O Ednilson, embora com estatura física diferente, é mais um bom médio do Benfica, mais um jovem. Um excelente jogador". A terminar, aquele de quem tem menos referências, Andersson. "Do Andersson vi menos, por isso é-me mais complicado definir. Mas sei que é bom também". A concorrência é forte mas nada a que não esteja já habituado no actual clube, onde faz dupla com Luís Manuel à frente da defesa: "Na Luz, como em todo o lado, vou ter forte concorrência. Aqui no Beira-Mar também há quatro trincos e a concorrência também foi sempre forte. No Benfica, irei trabalhar para chegar ao 'top'. «Família ferrenha mas cautelosa» A família de Fernando Aguiar aguarda com tranquilidade o desfecho da transferência do segundo de quatro filhos para o Benfica. O clube da Luz é a paixão de toda a família. Desde o pai, nortenho e benfiquista, à mãe, que chegou a presidir à Casa do clube em Toronto. "O meu pai e a minha mãe são cautelosos. Dizem-me 'deixa andar, com calma'. Se vier a acontecer, é natural que fiquem eufóricos. O meu pai, Carlos Aguiar, é um benfiquista do Norte que vive fora do País e que só de ver as minhas fotografias nos jornais fica radiante. A minha mãe, Fátima, já foi presidente da Casa do Benfica de Toronto e também é ferrenha". O benfiquismo de Aguiar é de intensidade mais ligeira. "Sempre fui benfiquista, desde miúdo. Mas também gosto dos outros clubes como o FC Porto, o Sporting ou o Boavista. Sempre torci pelo Benfica sem ser fanático". Os três irmãos do ainda jogador do Beira-Mar também preferem o Benfica apesar de se dividirem pelos dois países. "Uma irmã minha vive em Portugal, outra irmã e um irmão vivem em Toronto. Sou o segundo mais velho". «Boavista tem onze ‘Fernandos Aguiar’» Fernando Aguiar acredita que o Benfica vai conquistar o título de campeão nacional apesar da força dos seus três adversários directos. Para o próximo reforço encarnado, os clubes grandes merecem elogios mas é ao actual campeão Boavista que reserva a referência mais curiosa. Não há dúvidas de qual é o estilo de jogo com que mais se identifica o possante médio aveirense, um trindco por natureza e convicção. "Os quatro candidatos muito fortes. O Sporting é sempre uma equipa perigosa e com aqueles dois jogadores à frente (n.d.r.: Jardel e Niculae) ainda mais. O Boavista trabalha muito e é perigoso mas em todos os sectores: tem um onze cheio de "Fernandos Aguiar" (risos). O FC Porto, já se sabe, sempre candidato, sempre no topo. O Benfica tem jogadores e condições, dada a sua grandeza, para ser candidato ao título todos os anos". Por isso, o título, ou, no plural, os títulos estão no horizonte de Aguiar. "Vamos com calma: primeiro quero é assinar. Mas se for para a Luz é para tentar ganhar tudo. Ainda não ganhei títulos nenhuns em Portugal e há a Taça e a I Liga para conquistar". A finalizar uma palavra para a luta do meio da tabela. O Beira-Mar pode sobreviver sem Fernando Aguiar, segundo a modesta opinião do próprio: "Se eu sair, o Beira-Mar fica com jogadores suficientes para fazer um bom campeonato. Desejo a maior sorte ao clube". «A Luz é diferente de Alvalade e Antas» Fernando Aguiar só por uma vez jogou no Estádio da Luz. Foi na temporada passada, quando perdeu por 1-4 frente ao Benfica de Jupp Heynckes. O primeiro impacto foi emocionante: "O Benfica é mesmo um grande clube. Já entrei nas Antas e em Alvalade mas a Luz é diferente. Quando uma pessoa chega lá, sente o passado, sente os jogadores de antigamente, sente os seus ídolos". O próximo reforço do Benfica conhecia o recinto sobretudo através das imagens recebidas via satélite no Canadá. Foi dessa forma que admirou os craques encarnados dos anos 80. "O Chalana, o Alves, o Magnusson. Vê-los, via satélite no estádio durante a infância, e depois sentir o recinto ao vivo é uma sensação extraordinária". Com tanta emoção, como se irá sentir Fernando Aguiar quando, depois de assinar, for o alvo de manifestações de massa a que não está habituado. "Tenho que estar preparado. Se for já esta semana, tenho que me ir mentalizando". A agitada Lisboa também não será problema para um homem criado numa metrópole do primeiro Mundo, Toronto, embora habituado à tranquilidade de Aveiro. "Já vivi no estrangeiro e numa cidade maior que Lisboa, como Toronto. Por isso, daí não virão, por certo, quaisquer tipo de problemas". «Fernando Redondo é o melhor do Mundo» Fernando Aguiar admira muitos jogadores da mesma posição. A nível internacional, o eleito é o argentino Fernando Redondo, do Milan. "O futebolista que mais admiro na minha posição por acaso está lesionado e nem recebe ordenado. Chama-se Fernando Redondo. Considero-o brilhante tecnicamente e o melhor do Mundo, sem dúvidas”. «Escolhi o Canadá e não me arrependo» Fernando Aguiar já fez parte dos planos de antigos seleccionadores do Canadá, facto que o impede de poder vir a ser internacional português. O médio não se importa, nem se arrepende. “A vida é feita dia-a-dia. Podia jogar por Portugal mas também podia não ser chamado. É tudo muito subjectivo. Não me arrependo". «Conheço bem os EUA Portugal vai ganhar-lhes» A selecção dos EUA vai ser adversária de Portugal no Mundial. Como canadiano, Fernando Aguiar conhece-a melhor que a maioria dos portugueses. "Tem bons valores, já a defrontei mais do que uma vez. Mas, sinceramente, acho que são eles que devem estar preocupados connosco e não o inverso. Portugal tem uma excelente selecção e, mesmo que eles causem problemas, nós ganharemos”.