Entrevista de Fernando Meira ao jornal Record

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Em entrevista concedida ao Jornal desportivo Record, Fernando Meira deixa bem expresso o seu benfiquismo e a sua determinação para esta nova época que está prestes a começar. O internacional portugûes comenta toda esta novela que envolveu o clube alemão Estugarda, pronuncia-se sobre as contratações efectuadas pelo Benfica até ao momento, dá a sua opinião acerca de Luís Filipe Vieira e fala também da carreira transacta do seu anterior clube, Vit. Guimarães...

" – A novela acabou e você, é ponto assente, vai continuar no Benfica. Confirma?
– Não há volta a dar e tenho a palavra dos responsáveis que o assunto já morreu. Portanto, está decidido que vou ficar no Benfica, e essa sempre foi a minha vontade. Soube dos desenvolvimentos desse processo pela Imprensa e do Benfica, concretamente, nunca me informaram de nada porque, na verdade, não existiam dados reais para avançar de forma decisiva para a transferência.

– É verdade que está contente com este desfecho?
– Não sou hipócrita e garanto-lhe que estou muito satisfeito pelo facto de as coisas não avançarem. Sempre disse que o meu futuro passava pelo Benfica, e como agora se comprova não estava a mentir. Essa era a minha vontade e transmiti-a a quem de direito. Só sairia se a minha venda fosse mesmo muito importante para a vida do clube. Se depender de mim, ficarei muito anos na Luz. Aliás, eu vim para o Benfica para ganhar títulos. A primeira época foi má, mas estou esperançado que tudo se vai alterar.

– Se, porventura, não se falasse no Estugarda mas sim no Bayern Munique, alterava a sua posição?
– Vamos por partes. Felizmente, não tenho tido problemas de mercado. Oiço falar de muitos clubes interessados no meu concurso e por isso não tenho de estar preocupado. A segunda questão é esta: neste momento eu não troco o Benfica por clube nenhum do Mundo. Esta é a mais sincera verdade.

– Não está a exagerar?
– Não. Este é o sentimento que me vai na alma. Estou no Benfica há um ano mas sei o quanto o clube representa para mim, como também sei aquilo que valho. Depois, não posso esquecer que, era eu juvenil do Vitória de Guimarães, tinha então 16 anos, e já o Benfica tinha manifestado interesse na minha contratação. São pormenores que não esqueço.

– Você forçou o Benfica a desistir da sua venda?
– Bom. Não podia fazê-lo, nem disse objectivamente para não me venderem, até porque não tenho essa autoridade. O que fiz foi fazer sentir e deixar muito claro que me sentia bem e que gostava de permanecer no Benfica por muito tempo.

– Deixou a decisão nas mãos da Direcção?
– Claramente. Mas não posso esquecer que o clube atravessa um momento complicado e poderia precisar do dinheiro da minha transferência. Iria compreender sempre a decisão de me venderem, mas confesso que ficaria muito triste. É por isso que neste momento não estou nada desiludido, bem pelo contrário. Estou muito bem e a minha família, que sempre aceitou este meu ponto de vista, está radiante.

– O Benfica nunca abdicou dos dois milhões de contos, mas para si a proposta era muito vantajosa...
– A Direcção pretendeu defender os seus interesses e julgo que através dessas exigências procurou, em certa medida, evitar a minha saída por um valor que pensa ser escasso. Provavelmente está certa, porque a época foi má e não ajudou a valorizar os jogadores. Quando a mim, não sei bem aquilo que estava em jogo. Tinha pessoas a tratar do assunto e, como estava de férias nas Canárias, pedi para me informarem de algo concreto e não de suposições. Tenho um contrato confortável com o Benfica e o dinheiro não é tudo. Sou jovem e, se jogar muitos anos como penso, o dinheiro vai aparecer.

– Financeiramente, o contrato com o Benfica serve os seus interesses?
– Um jogador nunca se pode dar como satisfeito. À Direcção compete decidir se mereço ou não algo mais. É evidente que aquilo que vier por acréscimo é sempre lucro.

– O Estugarda foi um entre muitos clubes que tentaram seduzi-lo. Foi complicado ultrapassar este defeso?
– Passei umas férias tranquilas com a minha família e porque a minha vontade era só uma, ficar no Benfica, nunca dei grande importância. Tive uma experiência do género quando saí do Vitória e não minto que a determinada altura essas coisas acabam sempre por mexer com a cabeça de um jogador.

– Porque está a fechar olhos a tanto dinheiro?
– Muito simples: acredito no projecto do Benfica. Não vejo razão para um jogador que esteja no Benfica de corpo e alma estar a pensar em transferências. Representar este clube significa pertencer a uma grande instituição. É verdade que agora o Benfica é um clube perdedor, mas vai transformar-se em vencedor rapidamente, porque os títulos serão conquistados.

"Quero ganhar títulos com esta camisola"

– É possível fazer história no Benfica?
– Quem está a chegar agora e aqueles que, como eu, conheceram uma fase dramática do clube, devem estar conscientes de que existe uma responsabilidade enorme por detrás dessas apostas. Temos como missão relançar o Benfica para o patamar que merece e eu quero fazer parte dessa geração. Quero ganhar títulos com esta camisola. É uma meta prioritária na minha carreira.

– Como define a aposta em curso?
– Fortíssima. Não podemos pensar em projectos a médio prazo. O Benfica quer ganhar no imediato e está a preparar-se para o conseguir. Está à vista de toda a gente a ambição inerente à estruturação do plantel e planificação de toda a temporada. Somos fortes candidatos, mas vamos ter de trabalhar muito para o mostrar. À partida há os crónicos candidatos, mas perspectivo uma luta equilibrada, embora admita que o Boavista possa estar ligeiramente à frente e por uma simples razão: mexeu pouco na sua estrutura e é fundamental a manutenção da espinha dorsal. Está a melhorar alguns sectores e isso demonstra uma opção muito correcta. Nós, para além do Sporting e do FC Porto, teremos de contornar o problema de estarem a chegar muitos jogadores para reformular a estrutura. Mas com jogadores de qualidade isso será facilitado.

– Argel tem razão quando diz que o FC Porto é o principal inimigo?
– O Benfica tem de se preocupar com a sua casa. Na época finda, mesmo sem resultados, as pessoas preocupavam-se em demasia com a nossa vida. Nós queremos ser campeões e temos de demonstrá-lo sem ser necessário vir para a praça pública com estratégias. No balneário terá de residir a nossa força para combater os nossos adversários. Por exemplo: na época passada não faltou quem dissesse em público que queria ser campeão e no balneário não havia espírito suficiente.

"Os sócios são fantásticos"

– É indesmentível uma grande empatia entre o Fernando Meira, o Benfica e os associados. Qual é a razão?
– Defendo a minha profissão até ao limite e tenho a certeza que sempre fui um profissional exemplar na hora das vitórias e derrotas. Tenho a felicidade de os associados gostarem de mim e fiquei arrepiado quando soube de uma movimentação que fizeram a pedir para que a Direcção não me vendesse. Fica, pois, a promessa de que tudo farei para lhes retribuir a atenção demonstrada.

– Não teme a responsabilidade?
– Não. O clube e os sócios confiam em mim e eu saberei sempre ser um profissional íntegro para nunca os defraudar. A crítica e a pressão fazem parte da profissão, e temos de saber conviver com esses factores. Se formos fortes, saberemos resistir a tudo isso. Como alguém disse um dia, pressão é não ter dinheiro para dar de comer aos filhos.

– Que mensagem pode transmitir aos adeptos do Benfica?
– Acima de tudo, que acreditem em nós e que nunca percam a confiança. Eles são fantásticos. O clube não está bem, o futebol não era o melhor e nunca deixaram de nos apoiar, embora protestassem e às vezes com razão. Tenho quase a certeza que há mais benfiquistas do que aqueles que as estatísticas mostram, e eles vão aparecer com os nossos êxitos. Gostava de ver o Estádio da Luz cheio, para vibrar ao máximo com a mística do clube.

– Um título a breve trecho poderá significar uma arrancada para uma longa série de êxitos?
– Não podemos deixar-nos entusiasmar com este defeso e fechar os olhos ao passado. Há marcas para apagar. Queremos ser campeões e acredito que com a força dos benfiquistas podemos atingir os níveis de outrora. É para isso que está em marcha um projecto audaz e capaz de seduzir e aglutinar os muitos adeptos que ao longo dos últimos anos deixaram de acreditar no clube.

– O que é que o Benfica não é hoje e poderá ser brevemente?
– Um clube respeitado. Os clubes, mesmo os mais pequenos, perderam o respeito pelo Benfica. É preciso recuperar o respeito de antigamente. No passado, o empate já era bom e agora todos dizem que têm argumentos pagar ganhar ao Benfica. Não pode ser. Vamos recuperar o prestígio e o respeito perdidos para atemorizar os adversários e conquistar os êxitos merecidos.

"O 6º lugar é reflexo de tantos problemas"

– A sua época de estreia foi um pesadelo. Já está recuperado?
– Forçosamente tenho de estar porque o novo ano está prestes a começar e importa trabalhar com a cabeça limpa e sem os problemas do passado. Nem o mais pessimista dos benfiquistas admitia uma época tão... sei lá, medíocre para não dizer outra coisa. O 6º lugar é mau demais para ser verdade, mas é o reflexo de problemas atrás de problemas. Mudámos de direcção, tivemos três treinadores e um plantel não tão forte quanto era necessário para enfrentar os adversários mais directos. Vivemos uma fase de euforia, mas após o jogo com o Boavista perdemos a fé e a confiança. Nós caímos de rendimento e desagradámos aos sócios.

– A eleição da direcção de Manuel Vilarinho foi positiva?
– Os novos elementos deram tranquilidade ao plantel e trouxeram a solução para tentar recuperar o clube. O trabalho desenvolvido até à data não deixa mentir e temos de estar satisfeitos com a sua eleição. São públicos os problemas que gravitavam no clube e em algumas situações é preciso dar algum tempo.

– Ao grupo de trabalho, devido às divisões que reinavam, não se lhe deve pedir explicações?
– Ninguém pode escamotear as suas responsabilidades. Quando existem problemas e o plantel não os partilha, logicamente que nascem as inevitáveis divisões. Só espero que isso não aconteça e desejo sinceramente que o plantel se espelhe numa só voz. Temos algumas medidas para implementar este ano, embora reconheça que alguns dos jogadores não vão precisar de conselhos porque eles, com a sua experiência, poderão ajudar-nos à máxima coesão.

– No ano passado faltava uma voz de comando, transmitida por um líder?
– Com um plantel jovem e dividido não era fácil, até porque a instabilidade era enorme a vários níveis.

– Os jogadores não apreciaram a saída de José Mourinho, é verdade?
– Temos opiniões, mas não temos o direito de contrariar as decisões soberanas. Os jogadores são pagos para trabalhar, mas é evidente que sentem a saída de um treinador. Neste caso, não foi só um. Enquanto esteve a comandar-nos o José Mourinho realizou um bom trabalho e a nossa equipa praticou bom futebol. Ele gosta de ter os jogadores na mão, fala bastante com eles para perceber os seus problemas e conseguiu unir o plantel. Estávamos com o José Mourinho porque ele também estava do nosso lado. Deu-nos confiança e nós retribuímos com alegria no trabalho. Se me perguntar se fiquei satisfeito com a sua saída, digo-lhe que não. Gostava dele como aliás todos os jogadores. O resto é da competência da direcção e tenho a certeza que quando mudaram procuraram o melhor para o Benfica.

– Toni é capaz de recuperar a mística perdida?
– Percebe de futebol, conhece a nossa realidade e sente o Benfica todos os dias como se fosse seu. Isso é fundamental para um clube órfão de mística e sentimentos. Terá, agora, a colaboração do professor Jesualdo Ferreira e trata-se de um reforço de inquestionável valia que conheço das selecções.

"Plantel carecia de muita qualidade"

Fernando Meira sorri com as contratações do Benfica. O clube agitou o mercado e obrigou a concorrência a reforçar-se. \"‘A priori’, estamos a apostar bem, mas faltam mais algumas peças e a Direcção está atenta. O plantel carecia de muita qualidade e é nesse sentido que as contratações estão a surgir. São reforços para atacar o título, mas os nomes não chegam. É preciso trabalho\", alerta. Fernando Meira analisa um por um os reforços até agora garantidos.

Drulovic – "É uma grande contratação e, atenção, a custo zero. Será fantástico contar com a sua qualidade e experiência a nível nacional e internacional."

Zahovic – "À imagem de Drulovic, é um reforço de luxo que dispensa apresentações. Experiente, marca a diferença e vai trazer um toque de classe. É um número 10 capaz de desequilibrar numa fracção de segundos."

Argel – "Combativo e aguerrido, faz falta a qualquer equipa. Rival para mim? A concorrência é salutar e os atletas de qualidade são sempre bem-vindos."

Mantorras – "Um jovem em crescimento mas que já é um autêntico craque. Será um caso muito sério no futebol mundial e espero que no Benfica confirme todas as suas credenciais."

Sokota – "Estou em condições de falar sobre ele, porque o conheço dos jogos da selecção. Ele é um fora-de-série. Possui muita classe e, como finalizava, às vezes fazia-me lembrar o Marco van Basten. Não esperem que ele passe por três ou quatro adversários, porque é um homem de área. Joga simples e ao primeiro toque.”

Andersson – "Não conheço."

Cabral – "Grande jogador, experiente e muito rápido. Infelizmente para ele, está a chegar um pouco tarde ao ‘top’ do futebol português. Mas está a tempo de provar a sua qualidade."

Quim Berto – "Grande profissional, que poderá ser muito útil. Formou-se na mesma escola que eu, no Vitória, e fico feliz pelo reencontro."

"Ser “capitão” é uma honra"

– É verdade que você será o próximo “capitão” do Benfica?
– Não falo de cenários. Se, eventualmente, me for proposta essa missão, na altura certa ela será analisada. Neste momento não me compete falar sobre esse tema, tanto mais que o Benfica tem um grande “capitão”. O Paulo Madeira sempre defendeu o grupo e reivindicou para nos ajudar. Portanto, não devo dizer muito mais que isto. Recuso-me a especular sobre essa matéria.

– Mas como o Paulo Madeira está de saída...
– Desconheço essa saída e como tal não me posso pronunciar. A ser verdade, resta saber se serei convidado a desempenhar essa tarefa.

– Porquê tanta indiferença?
– Não é indiferença, é a realidade. Não me posso pronunciar sobre questões virtuais. É indiscutível que ser “capitão” do Benfica é uma honra, não o nego, mas não é correcto falar disso quando a época ainda nem começou.

"Não me fixar num lugar prejudica-me na selecção"

– Não ter uma posição fixa prejudica-o na selecção?
– Penso que sim. No Benfica não tinha uma posição fixa. Era defesa ou médio. Não foi bom, na perspectiva de jogar mais vezes na selecção. Felizmente a nossa selecção tem diversas opções e demasiado talento.

"O Mundial de 2002 é oportunidade de ouro"

– A sua afirmação está reservada para o Mundial de 2002?
– Primeiro temos de garantir a qualificação. Mas, de facto, o meu grande objectivo é ser um dos pilares da selecção que disputará o Mundial 2002. Está na forja uma nova geração e trata-se de um oportunidade de ouro que não gostaria de desperdiçar.

"O Euro-2004 é um certame emblemático"

– Como vê os preparativos para o Euro-2004?
– É um certame emblemático para o País e acho que devemos preocupar-nos todos para defender a imagem de Portugal. O problema é que às vezes coloca-se o carro à frente do bois e depois vêm os problemas.

"Falta poderio económico. Bom e barato não resulta"

– Os clubes não estão a comprar aquilo que não pagar?
– Todos os clubes têm problemas e esses devem ser geridos em sede própria. O nosso poderio económico é fraco, mas estamos a tentar equilibrar as coisas, para melhorar aquilo que é nosso e que tantos gostamos. Bom e barato nem sempre resulta.

"Luís Filipe Vieira é homem de negócios"

– Luís Filipe Vieira é o homem certo no lugar certo?
– Está a reorganizar um sector importante no clube e revela ser uma pessoa importante. É um homem de negócios e demonstra estar a estudar minuciosamente o processo de contratações.

"Sofri com o Vitória"

– À distância, como é que viu a campanha do V. Guimarães?
– Não posso esquecer o clube onde cresci como futebolista. Sofri bastante, porque cheguei a pensar que iriam descer de divisão. Este ano estão a reforçar-se com atletas de qualidade e espero que consigam fazer melhor. "


TEXTO: Jornal "Record"
FONTE: Jornal "Record"