«Teremos três ou quatro “Manuéis Fernandes” a curto prazo»

Submitted by Diabo19 on
Fonte
www.slbenfica.pt
12/07/2005 17:35 António Carraça – o homem da formação - em entrevista exclusiva «Teremos três ou quatro “Manuéis Fernandes” a curto prazo» Em entrevista exclusiva ao slbenfica.pt, o gestor do futebol de formação do clube da Luz deixa bem claro o caminho que pretende seguir. Por outro lado, António Carraça avalia o desenvolvimento do projecto que colocou sobre rodas há um ano atrás. Trata-se da entrevista necessária, na altura certa, ao homem que tem levado muito a peito a frase por si criada há cerca de um ano: «A formação é o coração e a equipa principal o oxigénio do Benfica». «TRIPLICÁMOS O NÚMERO DE PRESENÇAS NAS SELECÇÕES» P – Passado cerca de um ano desde a sua chegada ao departamento de formação do Benfica, qual o balanço que pode fazer? R – É um balanço extremamente positivo. Iniciámos, há pouco mais de um ano, um novo projecto na área de formação, onde implementamos um novo conceito e uma nova forma de entendermos aquilo que é este sector, sob um ponto de vista estruturado, articulado e concertado. Paralelamente, com o desenvolvimento deste conceito na actividade desportiva, criámos igual critério sob um ponto de vista académico até porque, como todos sabemos, no futebol moderno um bom jogador tem de ser inteligente. P – Pode dizer-se que os objectivos foram cumpridos? R – Sim. Note que o primeiro objectivo foi criar um espaço de intervenção e evolução para os nossos jovens jogadores, de forma a potenciar a sua integração na equipa principal. Todos os anos o Benfica tem de colocar dois ou três jogadores na sua equipa principal. Este ano, tal objectivo foi cumprido, já que estão seis jogadores provenientes da equipa B a treinar com o plantel sénior. O segundo objectivo passou pela criação do hábito de vitória. Ora, ao contrário do que aconteceu no ano anterior, as nossas equipa de escolas e infantis foram campeãs distritais, a de iniciados foi à última fase do campeonato nacional, a equipa de juvenis alcançou a terceira fase e a equipa de juniores era campeã nacional a 15 minutos do fim da última partida, sendo aqui a única pecha em relação ao ano anterior, onde fomos campeões. No entanto, tal situação foi compensada pela equipa B, que subiu à II Divisão B, com uma média de idades de apenas 18,3 anos. Assim, também sob o ponto de vista dos resultados, atingimos uma prestação altamente positiva. Por outro lado, implementámos um perfil de treinador e jogador para o Benfica, de acordo com a lógica e modelo de jogo criado, fazendo evoluir os nossos jogadores, o que se repercute nas selecções nacionais, onde triplicámos o número de presenças. P – Sentem que cumpriram a vossa missão? R – Não totalmente. Ainda não estamos realizados, porque no Benfica queremos sempre mais, mas também temos consciência que em relação ao Porto e Sporting ainda temos algum défice, até porque possuímos uma logística complicada. Note que temos 12 equipas que se movimentam com a casa às costas e que jogam em campos que não são os seus. Tal situação apenas ficará regularizada em 2006/07, quando tivermos todas as equipas do Benfica a trabalharem a cem por cento no centro de estágio do Seixal. Estamos satisfeitos, mas não realizados, até porque queremos atingir metas mais exigentes, que foram assumidas internamente por todos e que terão de ser alcançadas. «CENTRO DE ESTÁGIO É PASSO DECISIVO» P – Mas já esta temporada o centro de estágio do Seixal abrirá as portas... R – É verdade. Mas a estrutura irá manter-se aqui em Lisboa. Ainda este ano a equipa B e a de juniores treinarão no centro de estágio. No entanto, apenas dentro de um ano toda a estrutura se mudará para o Seixal, porque seria penalizador que mudássemos todas as equipas para o Seixal, obrigando os miúdos a mudarem de escola, a meio do ano lectivo. Assim, apenas será realizada actividade desportiva no Seixal, ainda este ano, mas sem as vertentes de restauração, alojamento, metodologia de treino e prospecção. P – O nascimento deste centro de estágio é um passo em frente no sucesso deste projecto? R – É um passo decisivo. Estamos a falar de uma estrutura muito moderna e com meios físicos que potenciarão o trabalho diário e semanal que lá será realizado. Possibilitará que o nosso trabalho se centralize, sendo ele o nosso habitat natural e a nossa casa. Sob o ponto de vista logístico e sentimental, irá rentabilizar o nosso trabalho e ajudar a implementar projectos que temos em carteira e que com as actuais condições não conseguimos concretizar. «AS JOVENS PROMESSAS PRECISAM DE UM ESPAÇO DE AFIRMAÇÃO» P – Jogadores como Hélio Roque, Rui Nereu, Bruno Costa, Fernando Alexandre, Tiago Gomes ou João Vilela continuarão a trabalhar com o plantel principal ao longo da temporada? R – Trabalharão na equipa principal e sempre que não forem opção jogarão na equipa B. Eles têm de entender, até porque já lhes foi dito, que precisam de jogar com regularidade, seja na equipa principal, seja na equipa B. P – Como chegaram eles ao plantel principal? R – Fomos realizando uma avaliação permanente, ao longo do ano, das suas prestações desportivas e também dos seus perfis psicológicos. Apostámos nestes porque vimos neles a capacidade de se adaptarem a esta nova situação. P – No entanto, tudo leva o seu tempo... R – Sem dúvida. Eles precisam deste espaço de afirmação e evolução para irem aparecendo a pouco e pouco, mas as etapas de formação têm de ser assumidas e não lhes podemos exigir que numa SuperLiga e numa Liga dos Campeões tenham uma prestação imediata. Esta equipa técnica vem de um país onde a aposta na formação sempre foi uma prioridade e por isso ser-lhes-á dada a oportunidade de trabalharem cada vez melhor e de se tornarem mais valias para o futebol do Benfica. P – Qual a principal vantagem que o Benfica retirará da aposta neste caminho? R – Não é só o Benfica. O futebol português tem de apostar neste tipo de jovens e na formação, porque existe um retorno efectivo na qualidade de trabalho e numa posterior transferência para o estrangeiro. O Benfica dá prioridade a isso e oferece a estes jogadores a possibilidade de serem, a médio espaço de tempo, uma opção para a equipa principal e, quem sabe, uma fonte de receita para o clube. «REUNIÃO COM KOEMAN PARA BREVE» P – Já teve algum contacto com Ronald Koeman desde o início dos trabalhos? R – Ainda não tive qualquer contacto com ele, até porque ele chegou há pouco tempo e está concentrado na estruturação da equipa. Mas teremos em breve uma reunião alargada onde será apresentado o trabalho realizado no ano passado e o projecto para a próxima época, na área da formação, de forma a que o desempenho de ambos saia valorizado e dê frutos. P – Qual a sua opinião sobre a nova equipa técnica? R – Não podia ser melhor. A aposta do conselho de administração e da Direcção nesta equipa técnica é determinante, porque só a existência de sensibilidade para a importância do trabalho desenvolvido na formação é que potencia o nosso labor em prol dos interesses do clube. «FELIZMENTE O PRESIDENTE ENCARA A FORMAÇÃO COMO UMA BANDEIRA» P – Sente que o seu projecto merece um apoio unânime dentro do clube? R – Sem dúvida nenhuma. Cada vez mais sinto que este meu entendimento da formação tem de ser uma norma institucionalizada no Benfica. Felizmente que o Presidente encara a formação como uma bandeira, até porque é este o caminho a seguir para a regeneração dos clubes e das SADs, numa altura em que se vive uma recessão no mercado. O Benfica tem a obrigação de liderar a formação em Portugal dentro de um ano, pois terá todas as condições técnicas e logísticas para potenciar o seu nome e a sua dimensão. Assim, julgo que dentro de três anos o plantel principal do Benfica terá condições para possuir uma esmagadora maioria de jogadores portugueses formados no clube. P – Podemos esperar então, dentro de pouco tempo, um plantel maioritariamente “formado” nas próprias escolas do Benfica... R – Outra coisa não será de esperar, porque as pessoas têm a consciência que aquilo que aconteceu no passado não se pode repetir no futuro. Nos últimos 10 anos o Benfica contratou cento e muitos jogadores, o que foi uma irresponsabilidade total, além de ter um custo financeiro astronómico. Nós queremos fazer exactamente o contrário, apostando em dois ou três estrangeiros de grande qualidade e ter no plantel principal jogadores portugueses que possuam a mística e valores do Benfica, realizando-se profissionalmente e, mais tarde, podendo rumar ao estrangeiro, o que será positivo para as finanças do clube. P – Pode dizer-se que Manuel Fernandes é, neste momento, uma referência no projecto de formação do Benfica. Quantos lhe poderão seguir as pisadas num curto espaço de tempo? R – Ele é sem dúvida a referência, mas posso garantir que num curto espaço de tempo teremos três ou quatro jovens jogadores com um papel preponderante no futuro da equipa principal do Benfica, desde que mantenham a atitude e espírito de aprendizagem. Aliás, quem vê as nossas equipas de formação, sente que existem valores com enorme futuro. «O BENFICA TEM DE ABRIR AS SUAS PORTAS À PROSPECÇÃO DE TALENTOS» P – E quanto à prospecção de talentos? R – Ainda há muito trabalho de prospecção a realizar. Apesar disso, triplicámos o número de jogos observados, referenciámos mais de 2000 jogadores em todo o país e estamos a tentar melhorar a lógica de interacção e relacionamento de parceria com os clubes, até porque muitas vezes não dispomos de capacidade financeira para trazermos estes jovens. No próximo ano vamos duplicar os nossos observadores, sendo que trabalharão directamente comigo no gabinete de prospecção 24 pessoas a tempo inteiro, além das mais de duas centenas de colaboradores que observarão jovens valores no país e no estrangeiro, apenas por amor ao clube. Teremos depois de trabalhar a informação e escolher aqueles jovens que poderão ter potencial de forma a afirmarem-se no clube. P – ... R – Faremos ainda mais formação teórica, na sequência dos dois seminários que realizámos o ano passado. Note-se que devido a essas organizações tivemos pela primeira vez receitas extraordinárias, o que é fantástico na área de formação. Além disso, vamos, com os protocolos existentes nos clubes, fazer acções de prospecção a todo o país e estender a rede de escolas do Benfica em Portugal e no estrangeiro. Já temos 20 escolas e teremos até ao final do ano entre 25 e 30 escolas. Já criámos uma em Londres, vamos ter em Paris, nos EUA, Angola, Moçambique, Cabo Verde... ou seja estamos a falar da fidelização de crianças à marca Benfica e realização de um rastreio e desenvolvimento de talentos. Cada vez mais o Benfica tem de abrir as suas portas e ir ao encontro das pessoas e instituições, implementando novos projectos, ideias e filosofias de ver o futebol. «BALANÇO PESSOAL DENTRO DE DOIS ANOS» P – Depois das muitas mudanças realizadas no passado, sente que tem à sua disposição a equipa de trabalho que desejava? R – Sim, estamos a conseguir, a pouco e pouco, criar um núcleo de trabalho que está a tornar-se forte, profissional, competente e que está a conseguir optimizar o trabalho de forma a atingir os objectivos a que se propõe. Sei bem das limitações que temos, mas é dentro deste quadro que temos de fazer a rentabilização do nosso trabalho. Por outro lado, como gestor, tenho de potenciar a minha equipa. Todos nós temos honra e prazer por representarmos a maior instituição desportiva do país e uma das maiores do mundo. Não temos horários de trabalho, sabemos o caminho a seguir e não nos desviamos dele. Nesta área, não temos problemas... temos soluções. É este o espírito desta fantástica equipa que tenho ao meu lado. P – Pode dizer-se que já deixou algo de si no Benfica. Até quando espera servir este clube? R – Sabe, vivo de uma forma muito intensa a minha actividade. A minha vida tem sido fantástica porque estou ligado ao futebol há 32 anos. Eu queria ser cirurgião e deixei o curso para me dedicar de corpo e alma a este desporto. Ainda bem que o fiz porque tenho vivido experiências únicas que noutra actividade não viveria. Desempenho esta profissão a 500 à hora, com uma enorme paixão, sendo apenas dessa forma possível dedicar-me a cada etapa, sem pensar no futuro. Este projecto está pensado, em termos pessoais, para três anos. Será nessa altura, dentro de dois anos, que eu verificarei se estou contente, será também então que o Benfica fará um balanço do meu trabalho e só aí se verá o que vai acontecer. Uma coisa é certa: a minha paixão por este projecto dá-me a força suficiente para pensar que teremos muito êxito. Além disso, apenas posso dizer que ficarei ligado ao futebol até ao final dos meus dias... Texto: Ricardo Soares