Nélson « De número 10 em Cabo Verde a lateral na Luz »

Fonte
SLBenfica
Foi com enorme alvoroço que fomos recebidos na aldeia de Palmeira, onde reside uma simpática comunidade piscatória a fazer lembrar cenários fictícios. Aqui partimos à descoberta das raízes de Nélson, jovem que no início desta temporada se transferiu para a Luz. Nesta aldeia não há ninguém que não se lembre do percurso de Necha, como era conhecido na comunidade, da casa onde nasceu ao primeiro pelado onde aprendeu a gostar de jogar à bola, passando pela escola onde lhe ensinaram a ser homem. Número 10 Chamava-se Águia da Luz — quem diria?... — o primeiro clube, ainda nas escolinhas, de Necha. O seu primeiro treinador era um jovem chamado Ben-Hur. É um clube amador, como muitos em Cabo Verde, que ainda hoje existe e onde ninguém ou quase ninguém é federado. Daqui até aos juvenis do Palmeira, clube que utiliza equipamentos semelhantes aos do Sporting, foi um passo. E foi como goleador que começou a dar nas vistas. Nos escalões jovens do Palmeira Nélson era utilizado na posição de 10 e em função disso fazia muitos golos. O primeiro título surge aos 17 anos, como campeão regional, então já inserido entre os jogadores mais velhos do Palmeira. Foi aqui que despertou a atenção dos olheiros portugueses, passando então a jogar em sectores mais recuados. Não olhou para trás quando recebeu o convite para tentar a sorte no nosso país. Partiu rumo ao Vilanovense, depois Salgueiros, Boavista e agora Benfica. Uma viagem alucinante. A filha para trás Para trás ficou a família: os pais, os irmãos (Nélson é o mais novo de 13) e uma filha, Nélice, hoje com cinco anos. Grande parte da família de Nélson vive ainda em Cabo Verde, alguns mesmo em Palmeira. Apesar de numerosa, nunca passou por necessidades. Quem o garante é Bernardino Ramos, o senhor Dino, o pai de Necha. «Foi uma coisa que me chocou. Um irmão meu telefonou-me a dizer que tinha lido num jornal português que nós passávamos fome. Isso não é verdade. Graças a Deus sempre tive dinheiro suficiente para sustentar a minha família e nunca nos faltou o essencial», contando-nos que trabalhou durante quase 40 anos numa refinaria da Shell e tinha também outras actividades extras ligadas ao desporto. Foi treinador e dirigente do Palmeira e tem os seus «bocadinhos de terra e gado que ajudam no sustento da família ». Para além disso, entre os tios de Nélson contam-se um ex-presidente da ilha do Sal e um presidente do Supremo Tribunal de Justiça de Cabo Verde. «Tenho 13 filhos, muitos netos e alguns bisnetos e ainda hoje sentem que a minha casa é de todos, pois passam aqui os dias a brincar ou a fazer os trabalhos da escola. Somos uma família muito unida, onde a amizade e a inter ajuda sempre funcionaram como grande suporte.» O pai de Nélson é uma das pessoas mais respeitadas em Palmeira. Agora ainda mais face ao novo estatuto de «pai do Nélson do Benfica», como actualmente é conhecido na aldeia. O convite recusado O senhor Dino, de resto, não teve ainda hipótese de ver Nélson a jogar como profissional. Quando o lateral estava ainda no Bessa recebeu um convite tentador para assistir ao vivo ao jogo entre Boavista e Benfica, o desafio que deu o título de campeão aos encarnados ao fim de 11 anos de jejum. A resposta foi negativa. «Sou benfiquista ferrenho, não podia ir torcer pelo adversário do meu filho, ali, num jogo tão importante. Ele compreendeu e agora irei um dia para estar com ele no Estádio da Luz. Foi um grande orgulho para mim esta transferência para o meu clube do coração. Nós somos muito ligados. Ele não faz nada sem me pedir conselhos. Falamos todos os dias pelo telefone e eu apoio-o muito. Eu e os irmãos. Temos todos muito orgulho nele!»