Andebol: Aleksander Donner em entrevista exclusiva

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http://www.slbenfica.pt/
«Antes dos reforços e dos títulos… há que mostrar resultados» O treinador que em 1990 chegou ao andebol luso e revolucionou por completo a modalidade em Portugal, esteve mais de uma hora à conversa com o Site Oficial do Benfica. Nove vezes campeão nacional, sete vezes vencedor da Taça e cinco da Supertaça, além de ter sido vice-campeão europeu e de ter levado a selecção nacional à fase final do Mundial, Donner é um marco da modalidade no nosso país. Talvez seja, por isso, meritório, destacar a coragem revelada em abraçar um projecto que começa praticamente do zero. Afinal de contas, depois de ter ganho a Liga, ao serviço da Madeira SAD, Donner rumou à capital para treinar a jovem equipa do Benfica, que procura ainda a sua identidade na Competição de Elite. O seu trabalho tem andado afastado dos holofotes, mas reconhece-se o seu esforço por fazer renascer o Glorioso enquanto um dos melhores emblemas nacionais. Segundo o próprio confessa, esta é a época de observação sendo que, na próxima temporada, Donner (que raramente sorri, mas se revela de trato muito fácil) deseja dotar a equipa de mais competitividade. É que, como ele diz, se não fosse a pensar em vencer… não valia a pena estar na Luz. Noutro âmbito, Donner não se poupa a comentar, também, o estado do andebol em Portugal… «É FUNDAMENTAL AGARRARMOS O QUARTO LUGAR» P – Chegou ao Benfica com ambição de títulos mas, ainda assim, esta época demonstra que esta equipa precisa de crescer um pouco mais até alcançar tais propósitos. Está, ainda assim, satisfeito com o balanço destes primeiros meses de Benfica? R - Se falarmos acerca dos resultados conseguidos até agora, não posso dizer que estou 100 por cento satisfeito, mas sou realista e tenho a noção que era difícil esperar mais. Quando comecei a trabalhar no Benfica, prometi a toda a gente que tinha como principal objectivo chegar a finais e, quem sabe, vencê-las. Na Taça Presidente conseguimos alcançar a final, após termos eliminado o Leiria, que nos tinha vencido para o campeonato. Perdemos apenas a final frente ao Horta, uma equipa que eliminara o Belenenses, uma das melhores formações nacionais. Quanto ao campeonato, temos uma vantagem de quatro pontos em relação ao quinto classificado, o que pode ser fundamental para o play-off, já que poderemos actuar dois jogos em casa na primeira eliminatória. É fundamental agarrarmos o quarto lugar por isso mesmo. P – Esta equipa rima com juventude… R – Pois… Note que quatro dos nossos jogadores titulares são juniores e, por exemplo, o Cláudio Pedroso, ainda júnior, é o melhor marcador da nossa equipa. Se tivermos em conta que ele surgia no ano passado de forma episódica, como ponta, então nota-se uma melhoria substancial na sua evolução. Por seu turno, o nosso ponta-direita tem 18 anos e nunca jogou nos juniores, já que o ano passado ainda nem estava no Benfica. Simplesmente ele convenceu-nos e tem mesmo deixado dois seniores no banco: Miguel Valentino e Pedro Brigantim. Temos ainda Filipe Teixeira, Adrian Horta e João Lúcio, todos eles bons valores, que muito prometem. P – A juventude pode também ser um pau de dois bicos… R - Teoricamente, esta equipa pode chegar ao top, mas demorará bastante tempo até que isso aconteça, porque são atletas muito jovens. É difícil que miúdos desta idade estabilizem as suas exibições. Por vezes fazem grandes jogos, mas noutras situações cedem. P – Mas era com isso que contava… R – Sim, este plantel estava totalmente idealizado antes de eu entrar e isso já eu sabia. Não existe um único atleta nesta equipa que tenha sido eu a pedir. Na próxima temporada as coisas vão ser um pouco diferentes, espero. É que combinámos que esta seria uma época de observação e de desenvolvimento da equipa, sendo que na segunda temporada dotaríamos o grupo de melhores recursos. São esses os nossos planos e, se tudo correr bem, vamos ser muito mais sólidos no futuro próximo. P – Bem se pode dizer que é um caminho de valor mas que exige paciência… até ser alcançado um nível estável de exibições. R – Claro. A prova de que ainda não somos uma equipa estável prende-se com o facto de esta temporada já termos vencido o São Bernardo, mas depois perdido com equipas como o Leiria ou o Módicus. Ora isto mostra que, apesar da evolução destes jovens, é necessário existir no plantel jogadores que funcionem como referências e que lhes possam ensinar coisas que, às vezes, nem um treinador pode ensinar. Estamos a trabalhar nesse sentido, ou seja, em contarmos com um Benfica reforçado. P – Como treinador ganhador que é… certamente que sente a ambição de dar títulos ao Benfica. Esta espera não o faz desesperar? R – É claro que sonho com os títulos que fogem ao clube há cerca de 15 anos e é para isso que trabalho. Temos valores, como o Cláudio Pedroso, mas precisamos de reforços. No entanto, não exigimos nada à Direcção, pois primeiro temos de mostrar resultados. Estamos a atravessar essa fase: convencer o clube e os adeptos de que esta equipa tem pernas para andar. Até provarmos totalmente isso, não podemos exigir nada a ninguém. Se repararmos foi assim que cresceram as equipas de voleibol e de futsal. P – Sente-se treinador do Benfica a longo prazo? R - Tenho contrato por mais duas épocas e quero cumpri-las. Estou aqui de alma e coração, pensando na equipa 24 horas por dia. Depois destes dois anos, logo se verá se esta relação é para continuar ou não. «O ANDEBOL PERDEU POPULARIDADE EM PORTUGAL» P – Mudemos o rumo da nossa conversa. Tem-se revelado um crítico do actual sistema competitivo do andebol português. Julga que esta temporada tem confirmado a sua opinião? R – É simples explicar: antes tínhamos um campeonato forte; depois, passámos a ter uma competição forte, a Liga, e uma fraca, a Elite; agora, temos dois campeonatos fracos, porque a Liga piorou e a Elite manteve-se. Existe uma equipa forte, a Horta, mas que o é de forma relativa… Devíamos voltar à forma antiga, com um campeonato forte com 12 equipas. Além disso, devia existir uma Taça única, onde todas as equipas entrassem. P – Mas tudo mudou assim tanto desde que chegou a Portugal? R - Basta relembrar os jogos entre o ABC e o Benfica ou o FC Porto, quando os pavilhões enchiam. Eram cerca de seis mil pessoas, sendo que nem todos entravam. Hoje em dia, mesmo em jogos entre as equipas de melhor nível, não existe mais de uma centena de espectadores nos pavilhões. Sendo que metade são familiares dos jogadores… O andebol já foi a segunda ou terceira modalidade do país, mas agora, por causa da forma como as coisas estão organizadas, perdeu popularidade. P – O que pode mudar a curto prazo? R - Eu e qualquer treinador podemos apenas trabalhar para alcançarmos vitórias nos nossos clubes, mas os responsáveis pelo andebol português têm muitos outros problemas com que se deparar. Problemas esses que nós não podemos resolver. P – O cenário que traça é mesmo negro. Acha que as coisas estão assim tão más? R - Sim, estão mesmo. Um dos exemplos de que o andebol português está nas ruas da amargura tem a ver com o facto de alguns dos melhores jogadores portugueses estarem fora do país. Há uns anos ninguém queria sair, apesar dos convites. Além disso, vejo notícias em jornais que dizem que os jogadores portugueses que actuam no estrangeiro estão a ser os destaques na sua equipa. Ora, estamos a falar de um clube que ocupa o 12º lugar da tabela classificativa. Isso diz tudo… e não quero faltar ao respeito a tais atletas, como é óbvio. Só quero é comparar com o passado, quando andebolistas como Carlos Resende, melhor lateral-esquerdo da Europa, Galambas, Luís Gomes, Pedro Gama ou Miguel Almeida tinham convites dos clubes de topo da Alemanha ou da Espanha e davam-se ao luxo de recusar, porque se sentiam motivados no campeonato português. Com este exemplo, acho que demonstro bem as diferenças existentes entre o andebol português actual e aquele que existia há uma década. Que motivação existe actualmente para um jogador trabalhar em Portugal? Se continuarmos assim, ainda acabamos como a Suécia, que não tem campeonatos ou equipas fortes e que conta apenas com jogadores que actuam no estrangeiro, enquanto selecção. Se perdermos os poucos atletas que temos, deixamos de conseguir o apoio dos sponsors e também a valorização de jogadores. Ora, isso acaba com o interesse na modalidade. «ESTAMOS A PAGAR OS ERROS DO PASSADO» P – A participação portuguesa no Europeu desiludiu-o? R - Para mim não foi surpresa nenhuma. Antes do Europeu já eu dizia que se conseguíssemos ganhar um jogo já seria muito bom. É triste, mas temos de aceitar a realidade. P – Qual o principal problema da selecção nacional? R - Sei que a imprensa e os responsáveis tentam sempre sonhar e potenciar a nossa equipa, mas não temos uma grande formação. Estamos, sim, a pagar os erros do passado, já que se há uns anos tínhamos a equipa mais nova da Europa, tendo eliminado então a Polónia, agora temos a mais velha e as equipas a quem nós ganhávamos com facilidade já subiram de rendimento e alcançaram resultados muito bons. Mesmo que por algum milagre esta equipa vencesse o Europeu, não tinha futuro. Quando ainda jogam Miguel Fernandes, Galambas, Andorinho, Pedro Gama, Luís Gomes e Ricardo Costa, ou seja, todos os que actuaram no Japão, está tudo dito. Devíamos aproveitar os jovens valores, mas isso não acontece. Por outro lado, percebo a situação vivida por Olsson, já que tem uma nova fase de apuramento dentro de poucos meses e terá apenas hipóteses de chamar estes mesmos atletas. Não poderá ser agora que ele arriscará uma renovação, porque quer ganhar. Ainda assim deixo o exemplo da Grécia e da Tunísia: perderam jogos, mas os novos valores foram aprendendo e levaram-nos nos últimos tempos a excelentes resultados. Texto e Fotos: Ricardo Soares