Ano de sonho para Nélson

Fonte
Record
Mesmo a perder por um golo na recepção ao Rio Ave, Jaime Pacheco não teve dúvidas. Chamou Nélson e lançou-o no lugar de Guga, estreando-o no primeiro escalão dos nossos campeonatos. Faz hoje um ano e, entretanto, o jovem benfiquista até já passeou o seu futebol pelo “Teatro dos Sonhos” de Old Trafford. “Um sonho tornado realidade.” É desta forma que o cabo-verdiano tem definido a sua ascensão meteórica, ele que em 2000, com 17 anos, deixou a Ilha do Sal em Cabo Verde para integrar o plantel de juniores do Vilanovense. Dois anos depois estava a entrar no Salgueiros de Norton de Matos e na época seguinte tinha o primeiro contrato sério da carreira, no Boavista. Hoje, na Luz, é o responsável pelo esquecimento do nome de Miguel. À imagem do seu futebol, tudo é explosivo e rápido na carreira deste jogador, atleta em quem José Mourinho viu qualidades logo de início. A contratação pelo Benfica, marcada para a próxima temporada, foi antecipada um ano devido à saída inesperada de Alex para Alemanha. Mal sabiam os dirigentes da SAD encarnada e o próprio Ronald Koeman que estavam a receber um jogador com capacidade para se impor prontamente na equipa. João Pereira que o diga. «Disse-lhe que seria um jogador de elite» O futebol tem estas curiosidades e na segunda-feira Jaime Pacheco e Nélson voltarão a encontrar-se, agora como adversários, no Estádio da Luz. “Se houver oportunidade, vou dizer-lhe que tinha razão, ou seja, que estava certo quando lhe dizia que ele seria um jogador de elite”, contou-nos ontem o actual técnico do Vitória de Guimarães. “Se calhar as pessoas não estavam a fazer conta que se adaptasse rapidamente ao Benfica mas para mim não é uma surpresa”, prosseguiu, elogiando a pessoa – “um bom menino, com maturidade, humilde e sério” – e o atleta – “muito rápido e um ambidestro, tanto no remate e no cruzamento como naquelas habilidades e pormenores de futebol de salão que apresenta; ainda hoje não sei qual é o seu pé preferido”. Jaime Pacheco destaca ainda a forma como Nélson trabalha. “É sempre o último a sair do balneário, tem iniciativa para ir ao ginásio e faz grande questão de se cuidar.” O Necha que jogava a n.º 10 Pacheco diz que a Nélson só lhe dava... “mais um palmo”, não porque isso lhe faça falta, mas mais por uma questão de “imagem”, no futebol atlético dos nossos dias. Contudo, o tamanho nunca foi problema para um jogador que aos 16 anos já era o n.º 10 dos seniores do Grupo Desportivo da Palmeira, vila piscatória do Sal. Conhecido como “Necha” – forma rápida de os locais pronunciarem o seu nome –, foi campeão regional, destacou-se como melhor marcador e jogador, integrou a selecção da Ilha, marcou um golo num particular com o Portimonense e conseguiu que Óscar Duarte, então seleccionador, o trouxesse para Portugal. Até chegar ao Palmeira não tinha qualquer formação de futebol; o treino era na escola e na rua. “Sempre se revelou um talento”, começa por dizer-nos Bernardino Ramos, pai e... benfiquista ferrenho. “No ano passado recusei uma oferta dele para ir ao Bessa, no jogo do título. Não podia torcer contra ele”, diz-nos. Responsabilidade Nélson é o “codé”, o mais pequeno de 13 irmãos, oito rapazes, cinco raparigas, que ajudavam o funcionário da Shell no cultivo do milho, do feijão e da melancia. Do lado da mãe, Nélson tem seis irmãos. A família está praticamente toda em Cabo Verde, incluindo a filha Nelice (junção dos nomes Nélson e Alice, a mãe), nascida a 5 de Setembro de 2000, uma semana antes de o adolescente deixar o país. Regressa no Verão e Natal. A vida deu-lhe responsabilidade cedo, até no futebol, profissão que assumiu com grande empenho. “Depois do 9º ano disse-me que queria ser jogador. Lembrei-lhe que teria de cumprir regras, compromissos, que tinha que se cuidar, e ele garantiu-me que assumia tudo isso”, prossegue Bernardino. O ídolo é “João Pinto”, o clube “obviamente o Benfica”. Mas Nélson nunca facilitou, mesmo quando andou longe da Luz. “É profissional. Quando aqui está, de férias, começa a trabalhar uma semana antes da pré-época.” Quem o treinou não regateia elogios. “Vai chegar à Selecção Nacional portuguesa”, perspectiva Benvindo Pimentel, último treinador no Palmeira. Carlos Rosário, que o descobriu, diz que “aos 12 anos” o benfiquista “já se destacava de todos...” De extremo até lateral Como não queria riscos para a equipa no lançamento do jovem, Pacheco recorreu à mesma receita de Bosingwa: colocou-o a extremo. “Até nisso foi rápido, porque pouco depois já tinha condições para jogar como lateral”, recorda o técnico. “Uma vez, com o Estoril, sofremos dois golos com dois erros dele. Mas não deixei de acreditar...” Pensão mensal para a família “Quando o vi depois de nascer, muito durinho, forte, vi logo que podia ser jogador”, diz-nos dona Alice, mãe de Nélson, o seu sexto filho. “Ele ajuda-nos muito, dá-nos uma pensão todos os meses... ajuda-me a mim, à filha, à avó, aos irmãos, a todos...; sempre pedi a Deus para me dar um filho que me ajudasse a sair da situação complicada em que vivia”, prossegue, “orgulhosa”. “Andava na escola e uma vez, depois de estar a ouvir a lição, falou que queria jogar à bola”, comenta, recordando depois os tempos de infância vividos em Cabo Verde. “Sempre foi um filho muito humilde, agarrado à mãe e à família, preocupado em ajudar de qualquer maneira...”