ENTREVISTA

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CORREIO DA MANHA
Sabemos lidar com ratos e mafiosos Carlos Ramos Passou o Ano Novo num avião a caminho do Brasil para resgatar o guarda-redes Moretto para o Benfica, porque o FC Porto o queria desviar. Luís Filipe Vieira é assim: imprevisível. Não se envergonha das calinadas no português, mas retrai-se nas questões pessoais. E, depois de mais um ‘hádem’ enquanto arrasa Pinto da Costa, admite vender Simão se aparecer uma proposta irrecusável. Em mangas de camisa depois de quatro dias de férias do uniforme Benfica (o fato e gravata) vai enchendo o cinzeiro de beatas porque continua a fumar sem o médico saber. No escritório há uma planta seca – com a qual Cunha Vaz goza como sendo um ‘dragoneiro’ mas que ele não admite deitar fora porque a tem desde o título –, um busto de Mantorras em marfim branco, muitas águias e centenas de papéis espalhados. Mas no meio de tanta confusão ele aponta um único alvo: “Os tempos de ‘O Padrinho’ acabaram.” Correio da Manhã – É ridículo o presidente do Benfica ir, na passagem de ano, de avião, buscar um jogador ao Brasil? Luís Filipe Vieira – Fui porque o jogador me pediu. Estava a sofrer uma pressão enorme. Havia chantagens – Que tipo de chantagens? – Ameaças a ele e à família. Eu próprio fui verbalmente agredido no aeroporto e tive de me conter. Queriam que a Polícia Federal nos impedisse de viajar. – Está a falar de Vítor Dinis, aquele que levou a bofetada? – Sim. Investiguem esse senhor. Há quem trabalhe e quem escolha passar o ano na dança do ventre. – Quem? Pinto da Costa? – Quem conhece Pinto da Costa sabe que ele não faz comunicados 72 horas depois. Devia andar na dança do ventre... Eu conheço-o muitíssimo bem. E já sabia como ia acabar esta história se eu não fosse ao Brasil: na segunda-feira as manchetes seriam “Moretto no Benfica” e na terça “Moretto no FC Porto”. Lembro-me bem do que se passou há tempos com o Marco Ferreira. Temos boa memória, somos novos. É natural que as pessoas quando vão para uma determinada idade comecem a perder faculdades. Eu não ganho milhares de contos, não tenho prémios, não tenho comissões. Mas é natural que as pessoas estejam agarradas ao poder, porque é a sobrevivência que está em causa. Quem está perto dele sabe que ele nada faz, vive do passado. Há uma música dos GNR que fala dos ratos de esgoto e dos mafiosos de vão de escada. Nós sabemos lidar com essa gente. – Está outra vez a falar de Pinto da Costa? – Pinto da Costa fala em encenação. Gostava de lhe dizer que gosto muito dos filmes de ‘O Padrinho’. Esse padrinho é normalmente uma referência familiar, na igreja, em acções de solidariedade, como se sabe. Há pessoas que querem imitar essa personagem. Talvez no passado o tivessem conseguido. Toda a gente sabe no futebol português a quem chamam Papa. Mas esses tempos acabaram. Esta situação prova que enquanto eu estiver cá ninguém brinca com o Benfica. – Levou seguranças ao Brasil? – Viajei sozinho e só duas pessoas souberam: José Veiga e a minha mulher. Devo ser o único presidente de clube que não tem seguranças. Vou a todo o lado sozinho. – Mas no regresso tinha seguranças do Benfica à sua espera? – O que aconteceu no Aeroporto de Lisboa só o soube duas horas depois. – O funcionário envolvido [n.d.r. José Fernando, primo de José Veiga] é o guarda Abel do Benfica? – Mas era só o guarda Abel? – É aquele que no ano passado almoçou com jogadores do Estoril antes do jogo com o Benfica? – Não vou entrar por aí. – Já falou com esse funcionário, abriu-lhe algum processo? – O que se passa aqui é confidencial. – Mas a imagem do Benfica não ficou prejudicada? – Não. Ando na rua e sei o que as pessoas dizem. Estamos a falar de uma simples estalada, é ridículo. Com tudo o que se passou no passado. As agressões aos jornalistas nas Antas. A única coisa que falta a esse senhor é ter asas para ser anjo. – Para um clube poupado, porque pagou um milhão de euros ao V. Setúbal que só pedia 750 mil euros pelo Moretto? – Foram muito bem dados. Se não tivéssemos tomado esta decisão em relação ao Moretto hoje estavam todos a gozar connosco. – Moretto vai ganhar 75 mil euros por mês? – Não. Contratos desses fazem-se noutro lado, não aqui. – A cooperação entre Benfica e V. Setúbal perto do jogo entre ambos e o Estoril-Benfica da última época levantaram dúvidas... – Por causa dessas situações, de certeza que o Benfica nunca mais altera o local de um jogo. – Pinto da Costa diz que suspeitava que o Marco Ferreira vinha para o Benfica ou para o Sporting quando rescindiu... – Isso prova que está a perder capacidades. Ele quando tinha essas desconfianças punha uma cláusula nos contratos que impedia os jogadores de jogar aí. Ele nem sonhou. – Disse que até faria desconto se soubesse – O último desconto que nós lhe demos foi no jogo das Antas – Qual foi o papel de José Veiga nestas jogadas de mercado? – José Veiga é superimportante. Por muito que queiram arranjar divergências entre nós, estaremos unidos muito tempo. Vamos dar cabo disto. – Falemos de Simão. Recebeu alguma proposta para ele sair? – O Simão é do Benfica até 2010. Não tenho nenhuma proposta. Possivelmente ainda vai entrar mais um jogador, mas gostaríamos que não saísse ninguém. Queremos dar todas as condições ao treinador. – Tudo tem um preço. Qual é do Benfica por Simão? – Na altura própria se saberá. Já rejeitámos 15 e 18 milhões, por isso... – O Liverpool já disse que 20 milhões nem pensar? – Para ser aceite, tem de ser irrecusável. Se o Liverpool pensa que está a lidar com um clube do terceiro mundo, está muito enganado. O Benfica já ultrapassou a crise. Qualquer profissional do Benfica tem os ordenados em dia, o subsídio de Natal foi pago em Novembro. A recuperação do Benfica é um enigma. Mas o segredo é simples: trabalho, trabalho, trabalho, rigor, rigor e transparência. – Se ficar, o Simão não jogará desmotivado? – O Simão é o capitão do Benfica, custou 12 milhões de euros numa época terrível, renovou por seis anos, disse que era o contrato da vida dele. Depois de o Benfica não o deixar sair, tem sido um grande profissional. Para abandonar o clube, só por uma proposta irrecusável para ele e para o Benfica. – Se surgir a proposta irrecusável o Benfica não hipotecará as suas ambições desportivas? – O Benfica não ganhou ao Manchester sem o Simão?! – Pode garantir que não o vende? – Se aparecer uma proposta irrecusável, o Simão sai. – Há divergências entre Simão e Veiga, que era seu empresário antes de ser dirigente do Benfica? – Deve haver aí um equívoco. – Quem é o empresário do Simão, quem o representa actualmente? – Acho que é Jorge Mendes. – Foi Jorge Baidek quem iniciou as negociações com o Liverpool? – E também foi Baidek quem mandou para o Porto a nota com as condições que estavam sobre a mesa. Um fax. Era uma da manhã e eu estava no escritório de Baidek; às duas já me estavam a ligar lá de cima a dizer que tinha um fax com as condições todas. – E o que é que a venda do Simão ao Liverpool lhes interessa? – Para eles a saída do Simão do Benfica era a sorte grande. Naquela casa as coisas funcionam assim. Porque é que o Jorginho não foi para o Sporting? E o Paulo Assunção? Se o Sporting tivesse tido a atitude do Benfica com o Moretto, não teria sido assim. – Tantas contratações não desestabilizam os que já cá estavam? – Mas não estavam sempre a dizer que o plantel era curto?! Quem passou aos oitavos-de-final da Liga dos Campeões está na taça e quer ganhar o campeonato, tem de se reforçar. – Laurent Robert ganhava em Inglaterra 250 mil euros... – Se tornar público o contrato do homem ficarão muito admirados. – Então revele. – O que posso dizer é que, com todas as contratações que fez, incluindo a que ainda falta, e com as saídas (Paulo Almeida, Everson e outros), o orçamento do Benfica vai diminuir – Marcel, da Académica, pode ser o reforço que falta? – Pela forma como o nome dele tem sido associado ao Benfica não é de certeza para vir para aqui, é para morar noutro lado. O Benfica não está interessado em Marcel. – Ele vai para o FC Porto? – O que digo é que há uma estratégia. Depois do Moretto eles vão arranjar um jogador qualquer, dizer que vem para o Benfica para depois o irem buscar. Já sabemos como funciona. – As contratações foram uma exigência de Koeman? – Foi ele que disse quem queria. – Nuno Assis, uma peça importante para o título do ano passado, vai ser dispensado? – O Nuno Assis é craque. Não sai. – Há lesões a mais no Benfica? – Não. Temos o melhor departamento médico do País, pela primeira vez com pessoas a trabalhar 24 horas por dia e a acompanhar os atletas. – Diz-se que há jogadores que recorrem ao antigo fisioterapeuta, António Gaspar? – Se eu sonhar com isso vai haver complicações para quem o fizer. – Esta é a equipa-maravilha que queria construir. – Há quatro anos, quando vim para o Benfica, havia que colocar as pessoas a acreditar que era possível o Benfica ser campeão. Por isso falei da equipa--maravilha e fui criticado. Se calhar o Benfica tinha o mesmo problema do País: é preciso transmitir confiança às pessoas, trabalhar no terreno. Por causa do que eu disse o campo de treinos passou a estar sempre cheio. – Foi estratégia de marketing? – Não sou um homem de marketing, sou um empresário. Quando comecei a conhecer o Benfica sabia que ia dar a volta facilmente. Veja-se o estádio. Era um sonho. Muitos riam-se, o Mário Dias saía de reuniões a gozarem com ele, e hoje é uma realidade. – Também foi estratégia dizer que saía se não vendesse 300 mil ‘kits’? – Se não tivesse falado assim o Benfica não tinha hoje 150 mil sócios. E ainda vamos chegar aos 300 mil. – Nunca teve intenção de se demitir? – A única coisa que prometi aos sócios foi tornar o clube ganhador e respeitado em todo o mundo. É o que somos hoje. – Prometeu apresentar o passivo consolidado do Benfica. Quando o fará? – Na altura vão ver e vão ver a surpresa. Não vou falar em números. Isso vai ser explicado em pormenor, as contas estão auditadas pela KPMG, e o auditor vai lá estar para responder todas as dúvidas. Em três anos, comparado com os seus concorrentes, o que o Benfica fez foi um milagre. Fomos campeões nacionais, reduzimos o passivo, mesmo investindo no centro de estágio como fizemos. – Vai vender o nome do estádio e da academia? – O Benfica sabe o que precisa em termos de receitas e o que vale enquanto marca. Mas só falamos disso quando estiver concretizado. – Há propostas? – Quem é que não faz propostas ao Benfica?! Há profissionais a negociar. – Não custará aos sócios vir ao Estádio Coca Cola, ou Pepsi? – Sou sócio do Benfica, além de presidente, e a minha única grande preocupação é que o Benfica seja maioritário e continue a mandar em todas as sociedades. Tudo o que seja realizar receitas é importante para o Benfica. Mas não são quaisquer receitas. Têm de prestigiar a marca Benfica. – Quais são os novos projectos com que vai avançar até final do mandato? – O canal Benfica é importante para nós, para chegarmos aos números que pretendemos. A Fundação também é prioritária. Bem como a sede, porque queríamos que o estádio encerrasse durante a semana e os nossos quadros ganham em estarem concentrados. E no primeiro semestre queremos também lançar o cartão de crédito Benfica com várias bonificações para os sócios. Já estamos a exceder o que prometemos. – A colocação da SAD em bolsa vai esperar? – Era importante para nós e um objectivo. Para ir para bolsa tem de ter três anos de resultados positivos. No próximo ano não tenho dúvidas nenhumas de que a SAD do Benfica vai dar esses resultados positivos. E estou convicto de que quem estiver cá vai ter meios mais do que suficientes para ter bons resultados nos dois próximos anos, desde que se siga esta gestão que está a ser feita. Será o culminar daquilo que foi prometido aos investidores. – O Benfica pode recorrer a uma instituição bancária estrangeira para renegociar o ‘project finance’ e aglomerar todas as dívidas? – Em termos internacionais, penso que tínhamos capacidade para fazer essas renegociação. Mas acho que a gratidão é importante. E dois bancos, o BCP e o BES, que acreditaram no Benfica desde a primeira hora, merecem a nossa gratidão. Isso conta muito para mim. Quando foi preciso arranjar 15 milhões de euros para pagar os impostos foram essas instituições que nos ajudaram. – Recandidata-se em Novembro? – Só penso em servir o Benfica até ao final do meu mandato e ainda tenho muito para fazer. Sei que nem todos gostam de mim, mas também não sou parvo e percebo que a grande maioria dos benfiquistas está comigo e se calhar não quer que me vá embora. Mas o compromisso que tenho é até dia 30 de Outubro cumprir o que prometi aos benfiquistas, mas já ultrapassei tudo o que prometi e vou passar muito mais. – Se não se recandidatar vai pelo menos preparar a sucessão e evitar que surja um ‘pára-quedista’? – O próximo presidente do Benfica tem de seguir a mesma linha que nós seguimos para consolidar o projecto. E tem de vir para servir o clube, não para se servir. Nós demos muito ao pedal e não pode chegar agora aqui alguém e partir tudo. No dia em que eu sair do Benfica posso dizer que será também uma vaidade para mim. É que nós demos mesmo a volta a isto. Mas se aparecer alguém em quem eu reconheça méritos para presidente do Benfica, não me recandidato e fico com mais tempo para a minha família e as minhas empresas. A criação do Conselho Consultivo, que reunirá as principais figuras do clube, uma promessa eleitoral que vou cumprir, é precisamente para evitar os ‘pára-quedistas’ porque esse órgão poderá propor um candidato que honre esta casa. "NÃO PRECISO DE NADA DO BENFICA" – Como tem tempo para gerir os seus negócios? – Tenho um filho que aprendeu bastante e pessoas que estão comigo há mais de 15 anos. O conselho de administração reúne quinzenalmente e eu por vezes só lá vou de mês a mês. Há semanas que nem vou às minhas empresas. – Pinto da Costa ganha 50 mil euros e os administradores da SAD do Porto 30 mil. Quanto ganha o presidente do Benfica? –Zero. – E os administradores da SAD? – Só dois são remunerados e não ganham nem de longe nem de perto esses valores de que falou. – Perde dinheiro no Benfica? – Acha que se eu estivesse nas minhas empresas diariamente as coisas não correriam melhor? Pelo menos outros negócios já teria inventado. Se há alguém que não precisa de nada do Benfica sou eu. – Apoia algum candidato? – Não. Vou votar, tenho partido, mas não digo em quem. – No Benfica ainda existe a divisão entre intelectuais e homens do betão? – Não sou homem do betão, só se for por ter construído o Estádio da Luz. Mas o Benfica é um clube de origens populares, não é do ‘jet-set’ nem do ‘jet-oito’. "MANTORRAS? NÃO SOU DO QUE GANHAM DINHEIRO COM O FUTEBOL" C.M. – Chegou a ter 60% do passe de Mantorras? L.F.V. – Não. Durante 12 horas é capaz de alguma coisa ter estado em meu nome, mas passado esse tempo já estava em nome do FC Alverca. – Este processo é nebuloso... – O que se passou foi que o Benfica comprou 50 % do passe do Mantorras ao Alverca. O Alverca anda a dizer que o Benfica, por ter renovado, tem de pagar os outros 50%. Mas onde é que está escrito? Estou tão à-vontade que dava-me um grande gozo que a Judiciária investigasse. – E está a investigar? – Não sei. Eu estou há cinco anos no Benfica e a minha vida foi toda devassada. Já me aconteceu alguma coisa? A minha vida foi sempre pautada pela transparência. Algumas pessoas ganham muito dinheiro no futebol, mas eu não sou desses. – A certa altura, o passe é adquirido por duas ‘off-shores’, a Videla Investment e a Harvey Managemnet. – Acha que eu tenho alguma coisa a ver com isso? – Mas o seu nome e a sua assinatura estão nos documentos... – Bem, então qualquer dia tenho de mudar a minha assinatura. Não tenho nada a ver com isso. Vão para Tribunal, para a Judiciária, investiguem. O Benfica pagou um milhão de contos por 50 % do passe ao FC Alverca. Agora, como é que o dinheiro entrou, como é que saiu, quem é que comprou, quem é que vendeu, podem percorrer o rasto todo do dinheiro e nem dez tostões me vão tocar a mim. – Como vê esta crise no clube? – Se eu tivesse continuado hoje o Alverca era um dos maiores clubes portugueses. É claro que quem como eu deu tanto àquele clube custa ver o que está a acontecer. "NÃO ESCOLHI NINGUÉM PARA A LIGA" CM – Pinto da Costa veio dizer que o Benfica controla a Liga e parece preparar um assalto a esse poder... L.F.V – Se ele se candidatar a presidente da Liga, eu candidato-me logo. Esse senhor está a mais no futebol, é arguido no ‘Apito Dourado’. O que é que ele quer? Os tempos do sr. Guímaro, dos quinhentinhos, das viagens ao Brasil do sr. Calheiros, das prostitutas? O Benfica não continua a ser coitadinho. Respondemos na mesma moeda a quem nos provocar. – Mas foi você que disse que era melhor ter alguém na Liga que um bom reforço... – Eu não escolhi ninguém para a Liga. Toda a gente sabe o que é que se fazia na Liga. – Que clubes o apoiam? – Toda a gente sabe que estou aqui para mudar muita coisa. A maioria já aceitou como um princípio que a arbitragem tem de sair da Liga, é uma coisa insustentável. O secretário de Estado do Desporto também sabe que a Lei de Bases tem de mudar. – Há quem diga que sem o ‘Apito Dourado’ o Benfica não seria campeão... – A única coisa que desejo é que tudo seja clarificado. Seria um descrédito para a justiça se não houvesse condenações. "SEI QUE DOU ERROS" CM – Foge da vida social? L.F.V.– Não gosto de expor a minha família. Convites de revistas cor-de-rosa não me faltam, mas não abdico da privacidade da minha esposa, dos meus filhos e até dos meus cães. – Foi ao casamento da filha de Ricardo Salgado [presidente do BES]. Qual é o seu relacionamento com ele? – Quando se fala nesse banco, e noutro, falamos de homens que confiaram muito em mim. Hoje devo muito a essas instituições financeiras. E tenho o prazer que o Ricardo Salgado seja meu amigo. – Trata-o por tu ou você? - Não lhe vou dizer. – Tem o telemóvel pessoal dele? – Tenho. – Não é o único empresário com quem fala regularmente. Isso vem da sua vida empresarial ou também do Benfica? – Claro que vem da minha vida empresarial. Acho que no sistema financeiro sou um homem bastante respeitado e tenho grandes amigos. – É rico ou milionário? – Sou feliz. – Mudou a sua imagem desde que é presidente do Benfica. Acabou com os ‘huns’... – (Gargalhadas). É verdade. E dou alguns erros de português... – Veste-se de forma diferente? – Isso não. Sempre vesti Zegna e Boss. O meu desgosto é não poder andar de calças de ganga. – Porquê? – Há três dias que não ando de fato e gravata. E sinto-me logo outro. Mas as pessoas aqui no Benfica têm aquela ideia de que o presidente do Benfica, como é uma figura pública, como alguns dizem tão ou mais importante que o Presidente da República, tem de andar sempre impecável, de gravata, emblema na lapela, penteado, isto e aquilo. Mas eu sou a mesma pessoa. - Agora tem mais à-vontade em frente às câmaras. – No início a sempre muito nervoso para um estúdio de televisão. Os holofotes metiam-me muita confusão, inibiam-me. A minha mulher gravava, eu via quando chegava a casa e comecei a perceber que estava a ser burro. E pensei: eu conheço o projecto do Benfica como ninguém por isso eles ‘hádem’ querer fazer perguntas e eu rebato aquilo tudo e até os entrevisto a eles. – Falou há pouco nos erros e agora lá disse um ‘hádem’. – (Mais gargalhadas) Pois foi... – Qual foi a gafe que mais o irritou? – Uma que me lembro é dizer ‘póssamos’ em vez de possamos. Só reparei quando o Pinto da Costa para gozar comigo disse ‘póssamos’. Fiquei um bocado chateado. – Trata toda a gente por tu aqui no Benfica? – Sim, toda a gente sem excepção. Tu aqui, tu ali... – Parece que tinha muito prazer em conduzir mas agora tem seis carros e... motorista. – Ando num carro que foi posto à disposição do presidente do Benfica mas é da Mercedes. Agora se me perguntar se tenho algum Mercedes eu respondo que sim. Deixei de conduzir porque mal entrava no carro começava a trabalhar, a falar ao telefone. Depois, era sempre um problema para estacionar, o meu tempo era muito ocupado. – E vai no banco da frente... – É verdade. Este moço que anda comigo, o Zé, mesmo quando eu sair do Benfica vai continuar comigo, porque acho que já não volto a conduzir. – A única coisa que não perdoa é uma traição? – Sim. Quem me trair... esquece. – Pinto da Costa traiu-o? – Estamos sempre a falar de Pinto da Costa. Depois de um caso com um jogador, o Paulo Santos que hoje é guarda-redes do Braga, que achei das coisas mais incorrectas, nem mais um telefonema lhe quis fazer. - As vossas filhas continuam a ser amigas? – Isso é pessoal. – É verdade que confere todas as facturas do Benfica? – É assim que faço nas empresas e é como faço no Benfica. Passaram pelas minhas mãos mais de 1600 contas do Benfica, algumas de 1991. Mais de 70 % dos telefonemas eram feitos por mim para as empresas. – Houve boatos que o ligavam ao tráfico de droga... – Estamos num País onde há muita inveja. Podemos ser vítimas da maior calúnia. – Era conhecido pelo Khadafi dos pneus. Também não se envergonha? – Naquele tempo, quem comercializava pneus em Lisboa não podia ir ao Porto. E eu varria isto tudo de uma ponta à outra. Começaram a dizer que eu era um terrorista e então um homem que é o Gomes, de Lourosa, pôs-me a alcunha do Khadafi dos pneus. Uma brincadeira. Às vezes ainda falo com ele. PERFIL Luís Filipe Ferreira Vieira, casado com Vanda, pai de dois filhos (Tiago e Sara), nasceu há 56 anos em Corroios, Seixal. Sócio do Benfica há 40 anos, o 33.º presidente do clube tem só a 4.ª classe mas isso não o impediu de singrar como empresário, primeiro no ramo dos pneus e hoje no imobiliário. Começou como dirigente desportivo no FC Alverca, tendo revolucionado o clube. Entrou no Benfica em 2000, pela mão de Vilarinho, em 2002 assumiu a presidência da SAD e foi determinante para a construção da nova Luz. Presidente desde 2003, conquistou o título após onze anos de jejum. Filomena Martins / Bernardo Esteves